segunda-feira, 26 de novembro de 2012

CONSTRUTORES DA VIDA


Construtores da vida

 Por mais que gostemos da vida no corpo físico, um dia, todos morreremos, isto é fato.

 Morrem os pobres e morrem também os ricos.

 Foi assim que um dia aquele homem, que detinha poder e muitas posses, foi habitar o além.

 Foi recebido pelo benfeitor, encarregado de conduzi-lo à sua nova residência.

 Caminhavam calmamente por um lugar pitoresco, com ruas calmas, um gramado extenso e grande variedade de árvores e jardins.

 Ao passarem por uma das casas, o benfeitor mostrou-a ao homem e lhe disse: "observe! Aquela é a casa de sua cozinheira."

 "Mas ela ainda não morreu", respondeu o homem.

 Sem dar nenhuma resposta, andaram por mais algum tempo e o orientador mostrou outra casinha graciosa e disse: "essa é a casa do seu jardineiro."

 Ambas eram casas muito agradáveis. Simples, mas aconchegantes.

 Jardins com flores silvestres e pássaros voejando e cantando por entre as borboletas que pousavam de flor em flor.

 Discretos regatos com águas cantantes e cristalinas cortavam os gramados verdes.

 O homem estava muito animado, pois se seus empregados teriam moradias tão agradáveis, o que não estaria reservado a ele, um homem rico e poderoso?

 Caminharam por mais algum tempo, quando o benfeitor parou diante de um barraco, localizado numa área menos clara e quase sem nenhum encanto.

 Com um gesto gentil indicou ao homem sua nova residência.

 O homem teve um sobressalto.

 Indignado perguntou ao orientador: "como posso eu, um homem rico e possuidor de muitos bens, morar agora nesse barraco caindo aos pedaços? Sem dúvida deve ser uma brincadeira!"

 "Infelizmente não é, meu filho", falou amavelmente o benfeitor.

 E acrescentou: "todas as construções são feitas com os materiais que vocês nos enviam diariamente enquanto estão na Terra. São materiais invisíveis aos olhos físicos, mas firmes o bastante para construir um recanto sólido aqui, nesse novo mundo. Cada gesto nobre, cada boa ação, cada trabalho realizado com honestidade e desinteresse, são matérias primas importantes aplicadas nos tesouros verdadeiros deste lado da vida."

"Mas como saber disso, se ninguém me avisou enquanto estava na Terra?", objetou o infortunado.

 "Ora, meu filho, talvez você tenha esquecido, mas há mais de dois milênios se ouve falar de um Homem chamado Jesus, que orientou muito bem sobre essa questão, recomendando que se construíssem tesouros no céu, onde nem a traça come nem os ladrões roubam."

 Pensativo e sem argumentos, o homem adentrou seu mísero barraco, em busca de um mínimo de conforto para sua alma inquieta.

 

A parábola nos conduz a riquíssimas reflexões.

 -Nossos maiores tesouros são as virtudes.

-A compaixão, a fraternidade, a solidariedade, a ternura, o afeto, são elementos importantes na construção da beleza e da harmonia.

 -A honestidade, a dignidade, a humildade, a indulgência e a justiça, são virtudes essenciais para construções sólidas e indestrutíveis.

 -Assim sendo, vale a pena investir nesses tesouros desde hoje, pois a imortalidade não é uma proposta para ser pensada depois da morte, é uma realidade para ser vivida hoje.

— com Maria Izete Martins Batista.

  A solidão amiga

 A noite chegou, o trabalho acabou, é hora de voltar para casa. Lar, doce lar? Mas a casa está escura, a televisão apagada e tudo é silêncio. Ninguém para abrir a porta, ninguém à espera. Você está só. Vem a tristeza da solidão... O que mais você deseja é não estar em solidão...

Mas deixa que eu lhe diga: sua tristeza não vem da solidão. Vem das fantasias que surgem na solidão. Lembro-me de um jovem que amava a solidão: ficar sozinho, ler, ouvir, música... Assim, aos sábados, ele se preparava para uma noite de solidão feliz. Mas bastava que ele se assentasse para que as fantasias surgissem. Cenas. De um lado, amigos em festas felizes, em meio ao falatório, os risos, a cervejinha. Aí a cena se alterava: ele, sozinho naquela sala. Com certeza ninguém estava se lembrando dele. Naquela festa feliz, quem se lembraria dele? E aí a tristeza entrava e ele não mais podia curtir a sua amiga solidão. O remédio era sair, encontrar-se com a turma para encontrar a alegria da festa. Vestia-se, saía, ia para a festa... Mas na festa ele percebia que festas reais não são iguais às festas imaginadas. Era um desencontro, uma impossibilidade de compartilhar as coisas da sua solidão... A noite estava perdida.

Faço-lhe uma sugestão: leia o livro A chama de uma vela, de Bachelard. É um dos livros mais solitários e mais bonitos que jamais li. A chama de uma vela, por oposição às luzes das lâmpadas elétricas, é sempre solitária. A chama de uma vela cria, ao seu redor, um círculo de claridade mansa que se perde nas sombras. Bachelard medita diante da chama solitária de uma vela. Ao seu redor, as sombras e o silêncio. Nenhum falatório bobo ou riso fácil para perturbar a verdade da sua alma. Lendo o livro solitário de Bachelard eu encontrei comunhão. Sempre encontro comunhão quando o leio. As grandes comunhões não acontecem em meio aos risos da festa. Elas acontecem, paradoxalmente, na ausência do outro. Quem ama sabe disso. É precisamente na ausência que a proximidade é maior. Bachelard, ausente: eu o abracei agradecido por ele assim me entender tão bem. Como ele observa, “parece que há em nós cantos sombrios que toleram apenas uma luz bruxoleante. Um coração sensível gosta de valores frágeis“. A vela solitária de Bachelard iluminou meus cantos sombrios, fez-me ver os objetos que se escondem quando há mais gente na cena. E ele faz uma pergunta que julgo fundamental e que proponho a você, como motivo de meditação: “Como se comporta a Sua Solidão?“ Minha solidão? Há uma solidão que é minha, diferente das solidões dos outros? A solidão se comporta? Se a minha solidão se comporta, ela não é apenas uma realidade bruta e morta. Ela tem vida.

Entre as muitas coisas profundas que Sartre disse, essa é a que mais amo: “Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você.“ Pare. Leia de novo. E pense. Você lamenta essa maldade que a vida está fazendo com você, a solidão. Se Sartre está certo, essa maldade pode ser o lugar onde você vai plantar o seu jardim.

Como é que a sua solidão se comporta? Ou, talvez, dando um giro na pergunta: Como você se comporta com a sua solidão? O que é que você está fazendo com a sua solidão? Quando você a lamenta, você está dizendo que gostaria de se livrar dela, que ela é um sofrimento, uma doença, uma inimiga... Aprenda isso: as coisas são os nomes que lhe damos. Se chamo minha solidão de inimiga, ela será minha inimiga. Mas será possível chamá-la de amiga? Drummond acha que sim:

“Por muito tempo achei que a ausência é falta.

E lastimava, ignorante, a falta.

Hoje não a lastimo.

Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim.

E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,

que rio e danço e invento exclamações alegres,

porque a ausência, essa ausência assimilada,

ninguém a rouba mais de mim.!“

E Nietzsche, eis o que ele escreveu sobre a sua solidão:

“Ó solidão! Solidão, meu lar!... Tua voz – ela me fala com ternura e felicidade! Não discutimos, não queixamos e muitas vezes caminhamos juntos através de portas abertas. Pois onde quer que estás, ali as coisas são abertas e luminosas. E até mesmo as horas caminham com pés saltitantes.

Ali as palavras e os tempos poemas de todo o ser se abrem diante de mim. Ali todo ser deseja transformar-se em palavra, e toda mudança pede para aprender de mim a falar.“

Rainer Maria Rilke, um dos poetas mais solitários e densos que conheço, disse o seguinte: “As obras de arte são de uma solidão infinita.“ É na solidão que elas são geradas

E me lembro também de Cecília Meireles, tão lindamente descrita por Drummond:

“...Não me parecia criatura inquestionavelmente real; e por mais que aferisse os traços positivos de sua presença entre nós, marcada por gestos de cortesia e sociabilidade, restava-me a impressão de que ela não estava onde nós a víamos... Distância, exílio e viagem transpareciam no seu sorriso benevolente? Por onde erraria a verdadeira Cecília...“

Sim, lá estava ela delicadamente entre os outros, participando de um jogo de relações gregárias que a delicadeza a obrigava a jogar. Mas a verdadeira Cecília estava longe, muito longe, num lugar onde ela estava irremediavelmente sozinha.

                                                                                                                  -Rubem Alves-
JARDIM

Rubem Alves

Sonho com um jardim. Todos sonham com um jardim. Em cada corpo, um Paraíso que espera... Nada me horroriza mais que os filmes de ficção científica onde a vida acontece em meio aos metais, à eletrônica, nas naves espaciais que navegam pelos espaços siderais vazios... E fico a me perguntar sobre a perturbação que levou aqueles homens a abandonar as florestas, as fontes, os campos, as praias, as montanhas... Com certeza um demônio qualquer fez com que se esquecessem dos sonhos fundamentais da humanidade. Com certeza seu mundo interior ficou também metálico, eletrônico, sideral e vazio... E com isto, a esperança do Paraíso se perdeu. Pois, como o disse o místico medieval Angelus Silésius:

Se, no teu centro
um Paraíso não puderes encontrar,
não existe chance alguma de, algum dia,
nele entrar.

Este pequeno poema de Cecília Meireles me encanta, é o resumo de uma cosmologia, uma teologia condensada, a revelação do nosso lugar e do nosso destino:

"No mistério do Sem-Fim,
equilibra-se um planeta.
E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro:
no canteiro, urna violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,
entre o planeta e o Sem-Fim,
a asa de urna borboleta."

Metáfora: somos a borboleta. Nosso mundo, destino, um jardim. Resumo de uma utopia. Programa para uma política. Pois política é isto: a arte da jardinagem aplicada ao mundo inteiro. Todo político deveria ser jardineiro. Ou, quem sabe, o contrário: todo jardineiro deveria ser político. Pois existe apenas um programa político digno de consideração. E ele pode ser resumido nas palavras de Bachelard: "O universo tem, para além de todas as misérias, um destino de felicidade. O homem deve reencontrar o Paraíso." (O retorno eterno, p 65).
 


quinta-feira, 22 de novembro de 2012

MÍSTICA DAS BEATITUDES


MÍSTICA DAS BEATITUDES – AUTO-RETRATO DA ALMA DE JESUS

TOMANDO PERSPECTIVA

Se o Evangelho é a alma da Bíblia, então as Beatitudes são o coração do Evangelho.

As oito Beatitudes, ou Bem-aventuranças, que formam o início do Sermão da Montanha, são jubilosas exclamações que romperam da transbordante plenitude do espírito do Cristo, após uma noite inteira de comunhão com Deus, como diz o evangelista.

Quase no início da sua vida pública, passou Jesus uma noite toda “em oração com Deus”, em êxtase,  em samadhi.  A alma do Nazareno estava mergulhada no oceano imenso da Divindade. E, quando, de madrugada, emergiu desse banho de luz e força, de amor e felicidade, foi tão irresistível o entusiasmo de que estava repleto, que não pode conter em si a divina plenitude, e, como o sol nascente, irradiou os seus fulgores sobre os discípulos e o povo que lhe correram ao encontro, sentindo ou adivinhando algo de extraordinário.

Desceu do monte, em cujo cimo havia passado a noite em mergulho místico, e, chegando a uma esplanada e vendo a fome e a sede do povo, sentou-se numa colina, e exclamou oito Bem-aventurados!... Bem-aventurados!...

As Beatitudes não são ensinamentos, a bem dizer; são experiências pessoais da vida íntima de Jesus que romperam as válvulas de retenção da sua alma e se espraiaram, irresistivelmente, sobre a humanidade de todos os tempos e países. Toda a plenitude, quando atinge o clímax da sua abundância, tende a difundir-se em derredor. Toda a explosão supõe uma implosão, e a implosão mística de Jesus havia atingido o seu máximo nessa noite, nas colinas de Kurun Hattin, ao sudoeste do lago da Galiléia.

As Beatitudes são o auto-retrato de Jesus.

Por isto as Bem-aventuranças não devem ser lidas ou ouvidas senão numa atitude de intensa espiritualidade. Quem lê ou ouve estas exclamações de entusiasmo místico num estado de profanidade, ou mesmo de mera intelectualidade, nada sentirá da sua sacralidade; possivelmente, as achará absurdas e revoltantes. Imagine-se: chamar felizes os pobres, os sofredores, os injustiçados, os famintos e sedentos, os que sofrem perseguição e difamação! Onde se ouviu maior paradoxo, mais revoltante sadismo, mais acerba ironia! Realmente, do plano horizontal do homem-ego, ninguém pode nem deve ler estas palavras, que brotaram das luminosas profundezas do homem-Eu, do homem-crístico, e só podem ser compreendidas e saboreadas dessa perspectiva de experiência mística da qual brotaram.

Não são palavras ego-pensadas, são experiências Cristo-vividas. Só quem pode dizer com Paulo de Tarso “já não sou eu que vivo – o Cristo é que vive em mim”, só esse pode saborear devidamente as Beatitudes. O homem ego-vivente, ficará apático, ou até revoltado, em face de tamanha sublimidade.

Quanto menos o leitor for ego-agente e quanto mais for Cristo-agido, tanto melhor compreenderá a sapiência dessa divina loucura.

É, pois, necessário que o leitor, antes de ler as Beatitudes, se ponha no mesmo ambiente interior em que elas foram vividas naquela bendita madrugada. Enquanto o homem não estiver devidamente sintonizado com a alma divina do Universo, com o Cristo-cósmico, não estará em condições de assimilar as lucerias e calorias das Bem-aventuranças do Cristo.

Aliás, esta sintonização Cristo-cósmica é o requisito para a compreensão de toda e qualquer palavra de Jesus que os Evangelhos nos conservaram. O que o grosso da humanidade entende por “meditação”, pouco ou nada tem que ver com essa sintonização crística. Quem pensa e analisa não entrou na verdadeira meditação, durante a qual o homem se deve calar, para que Deus lhe possa falar.

Quando o homem fala – Deus se cala.

Quando o homem pensa – Deus se dispensa.

Quando o homem deseja algo – Deus se eclipsa.

A verdadeira meditação é simplesmente um total esvaziamento de todo e qualquer conteúdo do ego-humano, para que a plenitude divina possa fluir para dentro dessa vacuidade humana. A fonte da plenitude plenifica somente a vacuidade. O homem ego-pleno não pode ser teo-plenificado, ou, em linguagem bíblica: “Deus resiste aos soberbos (ego-plenos) e dá sua graça aos humildes (ego-vácuos)”.

Neste mesmo sentido disse o Mestre:

“Eu te agradeço, meu pai, que revelaste estas coisas aos simples e pequeninos e as ocultaste aos eruditos... Quem não receber o Reino de Deus como uma criança não entrará nele”.

Muitos não conseguem reduzir-se a uma atitude de não pensar nada, e ficar ao mesmo tempo plenamente conscientes; quando não pensam, estão em perigo de cair em transe, na auto-hipnose, no sono, e nada resolvem. Mas quando o homem desce ao nadir do pensamento e sobe ao zênite da consciência, então está em verdadeira meditação, ou contemplação, e só então pode compreender espiritualmente e saborear deliciosamente o verdadeiro sentido das Beatitudes do Cristo.

Nas seguintes páginas, ao que parece, teremos de contradizer a tudo que acabamos de dizer: temos de falar, pensar, analisar as palavras de Jesus – que só deviam ser vividas e saboreadas em silêncio.

Prevenimos, por isto, o leitor de que aquilo que vamos dizer é a alma, mas apenas o corpo das Bem-aventuranças. Poremos apenas umas setas à beira da estrada; mas estas devem ser contempladas e depois abandonadas. Se o viandante se agarrar a um desses marcos à beira do caminho, ou até o arrancar e levar consigo, não cumpre a mensagem secreta do marco, que é transcendente, e não imanente. A mensagem da seta não é o aqui mas o além. O viandante deve saber que a seta não quer dizer “aqui é a cidade X” que ele demanda, mas ela é além, digamos daqui a 10 ou 100 km; o que a seta lhe diz é apenas: esta é a direção certa rumo ao termo que demandas, contempla-me, pois, e ultrapassa-me – e então terás cumprido o sentido da minha mensagem.

De modo análogo, deve o viandante, o leitor, contemplar devidamente, compreender previamente, a direção certa indicada pelas palavras – e depois ultrapassar todas elas e viver intimamente aquilo que leu e compreendeu.

Tudo que está neste livro é, pois, algo preliminar; nada é definitivo. O definitivo vem do leitor, e não do autor. O leitor é que, depois de tomar direção certa, deve realizar o conteúdo da mensagem, dia a dia, ano por ano, a vida inteira.

Depois de todos os ruídos, depois de ler, de ouvir, de pensar – é que vem o grande silêncio dinâmico da realização, a vivência da realidade.

“Quem ouve estas minhas palavras – assim encerra Jesus o Sermão da Montanha – e as realizar, se parece com um homem sensato que construiu sua casa sobre rocha; desabaram aguaceiros, transbordaram os rios, sopraram os vendavais e deram de rijo contra essa casa, mas ela não caiu, porque estava construída sobre rocha. Aquele, porém, que ouve estas minhas palavras e não as realiza, parece-se com um homem insensato que construiu sua casa sobre areia; desabaram aguaceiros, transbordaram os rios, sopraram os vendavais e deram de rijo contra essa casa e ela caiu – e foi grande a sua queda”.

A diferença entre o homem sensato e o insensato não está, pois, em terem ouvido ou não ouvido as palavras da verdade; mas está no fato de ambos terem ouvido e um só ter realizado a verdade das palavras em sua própria vida.

 Lê, ouve – e realiza a verdade das Beatitudes, e serás feliz, aqui e por toda a parte.

A CHAMA DE UMA VELA – GASTÓN BACHELARD

“A Chama de Uma Vela”, de 1961, Bachelard buscará o termo de sua estrutura de pensamento. Nesta etapa, o conceito que vinha delineando de Devaneio toma um aspecto central. O devaneio é uma atividade psíquica manifesta no mundo racional. E será na poesia e no seu estudo que se buscará a percepção desta atividade. O que importa na leitura de uma obra poética é o sentimento que a imagem pode provocar no sujeito-leitor. Para Bachelard, portanto, há uma relação direta poema-leitor que é única; para além mesmo da intenção inicial do autor do poema. A imagem literária é portanto, dialética.
Esta dialética avança pelo universo onírico dos poetas, estabelecendo a regra de que não há síntese possível entre imagem e conceito. Só através desta alma feminina e lunar é que se pode alcançar o lado noturno da alma. Aquele que guarda os tesouros do coração dos alquimistas, a pedra filosofal do sentimento de estar no mundo.

 Com este grau de amadurecimento, percebe-se em Bachelard  um alinhamento com diversos místicos e homens ditos iluminados por seus contemporâneos através dos tempos. Particularmente o pensamento oriental apresenta muitas similaridades entre a forma como a imagem per si é reconhecida como uma via de iluminação. Um caminho de ascese. No Ocidente, também identificamos em alguns cristãos místicos, como Angelus Silésius e São João da Cruz elementos semelhantes à pratica do conceito de devaneio bachelardiano. Por fim, o neoplatonismo, pode-se perceber, é corrente fortemente influenciadora em Bachelard. Desde sua fase inicial, através do culto aos quatro elementos, até a etapa final do devaneio onírico, onde se estabelece a relação entre o humano e o divino desde os tempos do bíblico José.
É forçoso reconhecer que o pensamento da cultura européia e ocidental sempre em termos gerais, desvalorizou a imagem como via reflexiva e a função da imaginação como elemento digno de estabelecer a fundação ou mesmo o centro de uma episteme. Entretanto, no século XX, e, muito provavelmente, também no século XXI, cada vez mais, filósofos, sociólogos e demais pensadores e analistas da cultura na qual estamos inseridos enfatizarão a necessidade de um caminho diferente do até então trilhado desde a fundação de nossa sociedade judaico-cristã, ou pelo menos, desde as bases estabelecidas na Grécia da razão dialética como via única de conhecimento. Assim como Bachelard, Sartre e outros pensadores do mesmo calibre concordam com a ideia de que a Imagem é diferente da Percepção. Esta simples constatação nos encaminhará para a via do Onirismo é um caminho que possui especificidades, muito diferenciadas da via intelectual.

Pode-se exemplificar as consequências de tal filiação de pensamento, mais voltado para o terreno fenomenológico, pelos percursos de acadêmicos que refutaram a racionalidade asséptica da pesquisa de campo, com suas conclusões traduzidas para o “ocidentalês” universitário, trilhando uma via que os levou a mergulhos no imaginário e no pensamento mítico de outras culturas e civilizações, chegando a transmutar suas próprias existências, desfazendo visões de mundos extremamente arraigadas em nossas mentes por anos e anos de educação tradicional., através da citação do pesquisador Carlos Castãneda, que com sua obra sobre a cultura dos índios Yaquis, do México, mergulhou em um novo universo, onde o onírico sobrepunha-se amplamente ao mundano e racional. Se fosse possível um encontro entre o filósofo francês e o antropólogo, que, dizem, é brasileiro, temos certeza de que o diálogo travado seria extremamente profícuo no sentido de uma fundação de uma ontologia do espiritual, onde o devaneio bachelardiano seria de extrema valia para o “parar o mundo” conforme insistentemente enfatizado por D. Juan ao seu discípulo.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012


O que a Bíblia diz sobre o ateísmo

Posted by Davi Lago in APOLOGÉTICA | Ateísmo

Por Davi Lago

 “Diz o tolo em seu coração: Deus não existe” (Salmo 14.1).

 Esta é uma das principais declarações que a Bíblia faz sobre o ateísmo. Podemos destacar dois pontos:

 1. O ateísmo é uma tolice

 Negar a existência de Deus é tolice porque a existência de Deus é óbvia. A Bíblia em nenhum momento procura defender a existência de Deus porque ela é a mais elementar de todas as verdades. A Bíblia já começa afirmando categoricamente: “No princípio Deus criou os céus e a terra” (Gênesis 1.1). 

 A Bíblia afirma que Deus não pode ser conhecido completamente por nós, mas pode ser conhecido suficientemente: “Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas” (Romanos 1.20).

 Deus é claramente visto na criação. Desse modo, o ateísmo é considerado tolice porque ele é irracional, é ir contra o evidente, o razoável. Na verdade o ateísmo é a maior tolice possível de se existir.  O ateu simplesmente fecha os olhos para as evidências e tapa os ouvidos para a razão. Mas por qual motivo ele faz isso? Isso nos leva ao próximo ponto:

2. A tolice do ateísmo surge a partir do coração pecaminoso do homem

 Nenhuma pessoa torna-se ateísta por causa de argumentos, mas sim por causa do pecado em seu coração. Não existe um único argumento conclusivo que prove a não-existência de Deus. Em Romanos 1.19 a Bíblia afirma que os ateus não negam Deus pela lógica, mas pela injustiça: “os homens suprimem a verdade pela injustiça”.

 A Bíblia afirma que o ateu nega a existência de Deus porque ele decidiu viver para o pecado. Ou seja, convém ao ateu que Deus não exista. Como afirmou Agostinho: “Ninguém nega Deus a não ser que lhe interesse que Deus não exista”.

 Só entre os homens pecadores encontram-se os ateus. A Bíblia afirma que até os animais não duvidam da existência de Deus: “Pergunte, porém, aos animais, e eles o ensinarão, ou às aves do céu, e elas lhe contarão; fale com a terra, e ela o instruirá, deixe que os peixes do mar o informem. Quem de todos eles ignora que a mão do SENHOR fez isso?” (Jó 12.7-9). Mais que isso, a Bíblia afirma que nem mesmo os demônios duvidam da existência de Deus: “Você crê que existe um Deus? Muito bem! Até mesmo os demônios creem -  e tremem!” (Tiago 2.19).

 Conclusão

 A Bíblia desqualifica o ateísmo como crença válida revelando sua irracionalidade, inconsistência e incoerência. Dessa maneira, a Bíblia não perde tempo com o ateísmo, ela se preocupa com a idolatria. O primeiro dos Dez Mandamentos é contra a idolatria não contra o ateísmo. O grande perigo da civilização não é que ela não creia em Deus, mas que ela se entregue às fantasias e imaginações ímpias. Os homens nunca deixarão de crer em algo, eles sempre estão em busca de Deus, de sentido, de propósito, de vida eterna.  Assim, os homens sempre estão fazendo deuses para si. Mesmo os ateus adoram deuses, seja o sexo, o vício, o dinheiro, o status, ou até mesmo um filósofo. A grande pergunta não é: “Deus existe?”, mas sim: “Que tipo de Deus existe?”. Por isso Jesus também não se preocupou tanto com o ateísmo, mas com a idolatria. A preocupação dele não era apenas que as pessoas acreditassem em Deus, mas sim no Deus verdadeiro. Ele orou assim: “Esta é a vida eterna: que te conheçam, o único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (João 17.3).