Rubem Alves
Sonho com um jardim. Todos sonham com um jardim. Em cada corpo, um Paraíso
que espera... Nada me horroriza mais que os filmes de ficção científica onde a
vida acontece em meio aos metais, à eletrônica, nas naves espaciais que navegam
pelos espaços siderais vazios... E fico a me perguntar sobre a perturbação que
levou aqueles homens a abandonar as florestas, as fontes, os campos, as praias,
as montanhas... Com certeza um demônio qualquer fez com que se esquecessem dos
sonhos fundamentais da humanidade. Com certeza seu mundo interior ficou também
metálico, eletrônico, sideral e vazio... E com isto, a esperança do Paraíso se
perdeu. Pois, como o disse o místico medieval Angelus Silésius:
Se, no teu centro um Paraíso não puderes encontrar, não existe chance alguma de, algum dia, nele entrar. Este pequeno poema de Cecília Meireles me encanta, é o resumo de uma cosmologia, uma teologia condensada, a revelação do nosso lugar e do nosso destino: "No mistério do Sem-Fim, equilibra-se um planeta. E, no planeta, um jardim, e, no jardim, um canteiro: no canteiro, urna violeta, e, sobre ela, o dia inteiro, entre o planeta e o Sem-Fim, a asa de urna borboleta." Metáfora: somos a borboleta. Nosso mundo, destino, um jardim. Resumo de uma utopia. Programa para uma política. Pois política é isto: a arte da jardinagem aplicada ao mundo inteiro. Todo político deveria ser jardineiro. Ou, quem sabe, o contrário: todo jardineiro deveria ser político. Pois existe apenas um programa político digno de consideração. E ele pode ser resumido nas palavras de Bachelard: "O universo tem, para além de todas as misérias, um destino de felicidade. O homem deve reencontrar o Paraíso." (O retorno eterno, p 65).
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