POVOAR DE MOTIVOS NOSSA SOLIDÃO
-Ensaio -
Quem não souber povoar a sua solidão,
também não conseguirá isolar-se entre a gente.
[Charles Baudelaire]
Mauro Martins Santos
Nas voltas que a vida dá sempre de longo ou breve nos visitará a Solidão na pousada da alma. Ali pernoitará, passará dias morando conosco, indo bem cedinho nos fazer companhia no café da manhã. Irá fielmente enrodilhada em nossa cintura, cabeça em nossos ombros para deitar-se conosco. Não fará amor, afinal seu papel é nos açular até às raias das lágrimas ou desespero - esses são seu alimento e vigor. Sombra invisível aos que nos circundam neste palco. Estrela de primeira grandeza nas cenas da película: “O Vazio Existencial”.
Esse vazio, da existência, transcende o próprio coração na busca de um significado à vida; surge um outro vazio do Tempo que se faz sentir : - como um captador de imagens mentais - na mitigação de algo que lampeja importante. Sorrimos como se aflorássemos para respirar à superfície, induzimo-nos a pensar que temos não a solidão mas sim a Liberdade. Aí vemos que a liberdade é uma descoberta solitária e por isso quem a experimentou por tempo que o senso comum reprovou - remetendo- a para dizer, que o tempo vital é finito e breve, então tenta-se evitá-la. Neste entendimento a Solidão passa a ser o sepulcro literal da Liberdade.
A solitude pode ao querer-se solitário, transformar-se em revigor ao corpo e alma. É uma busca do silêncio, que só o afastamento social por vezes nos dá. A virtude das ações passionais reside na parcimônia e na previsão de um limite para atingir nossa busca da felicidade. Ingressarmos na solidão irrefletida ou inopinada recai em penitenciar-se, impor-se a impensadas macerações.
A solidão [não a soledade ou solitude adrede refletida] é um “estar em sentimento” que gera sombria angústia. Vai nos colocar nas escadarias que se perdem em brumas de um mundo interior, onde o portal só se abrirá com a aquisição do real sentido do mundo. A difícil resposta frente às indagações, os porquês das materialidades, não encontramos em situações emotivas convulsas.
O caso da Solidão poder ser uma experiência transcendental que recai inevitavelmente em outro campo: o da Fé.
Os santos, destacados do lugar comum desde a alta Idade Média pela Igreja, foram supliciados ou se supliciaram impingidos à dor, ao sofrimento, à solidão e à morte. A solidão, assim como a doença, o autoflagelo, o sofrimento, a miséria voluntária eram (ou são) entendidos como um caminho enaltecido para uma vida superior à terrena. Carece ter-se a coragem ou o extase alienante de ingressar nesse tipo de solidão, ter a intenção, acreditar que se vai aprender com ela, e se for rejeitá-la procurar apenas e tão somente a Soledade ou Solitude [ambas do léxico português e sua semântica] que é o nosso afastamento temporário da sociedade. E ainda quando isso ocorre os “solitários” tem um tempo mais ou menos fixado, e não dispensam - via de regra - o conforto dos aparelhos eletrônicos e de comunicação. Claro, não serão eremitas, apenas reclusos para meditação, atividades intelectuais ou de fé.
A solidão como ato humano surge-nos como um antídoto aos nossos defeitos, tentativa de esquecimento das misérias sociais humanas. Na reclusão podemos até reverter atos e processos mentais danosos. Sempre ao entorno de nossa “cela” pululam a vida natural, os sons agradáveis, o revoar de pássaros, o rumor de cascatas e riachos. Se isso nos agrada, vamos paulatinamente nos reabastecendo de paz. Até o limite de isolamento imposto por nossa mente, senhora de nossa vontade. Ir além é fugir da realidade como se não existissem doenças, e todos os males deixassem de existir.
Há pessoas que fazem de tudo para evitar falar sobre a solidão, por razão dela ser a sua própria doença, que lhes trazem à lembrança a fuga de todas as misérias humanas que lhes foram impingidas e sofridas. No fundo, é apenas uma tentativa de se evitar o contato com a realidade, uma autodefesa.
O que é solidão enfim? No léxico encontremos a sinonímia oriunda do latim [solitudo, solitudinis] 1. Estado de quem se encontra só; em abandono, retirado do mundo, em estado de isolamento. - 2. Ermo sem viva alma; despovoado; sítio nunca frequentado por pessoas. - 3. Isolamento moral, sentimental ; internalização, aleatoriedade, interiorização. Creem estudiosos comportamentais do ramo da Psicologia, que estar só é a condição original de todo ser humano.
Pelo vernáculo, solipsismo - uma concepção terminológica de origem latina, onde segundo a qual, a individualidade do Ego o Eu, do qual temos consciência, com suas modificações subjetivas, constitui-nos a única realidade existente de que temos certeza. Em um emprego menos abstrato, podemos significá-la como a própria vida ou hábito de quem opta pela vivente solidão. Vez que cada um de nós [Ego ou Eu] é único no mundo; a Criação não nos faz em série. O nascimento é o original lançamento de cada indivíduo à sua primeira visão exclusiva do mundo e das coisas que o cercam. Podemos nos confrontar com isso ao vermos o assombro de uma criança mediante as cores, os movimentos a diversificação das coisas e animais. São arrebatadas, impactadas com a animação da inusitada natureza.
No entanto, somos ímpares quando nos revestimos de solidão. A priori sacamos o termoLiberdade e julgamos possuir o sentimento de liberdade ou de soltura das amarras da dinâmica social que nos aprisiona. Esse sentimento dela decorrente, depende ainda de qual modo nossa cultura e sistema familiar visualiza e conceitua essa liberdade. Qual seja a maneira ou sistema, iremos remontar à origem de nossa existência. Desta forma diversa, o homem assimila o seu conceito de liberdade.
Tornamo-nos mais autênticos à medida pela qual aceitamos a solidão. Aceitando cada preço pago, se julgarmos que assim estamos conquistando nossa liberdade de tudo poder. Ao invés se encarar a solidão um abandono, um castigo, uma sobrecarga de desdém Divinos, rechaçando toda a crença ou fé de ancestralidade milenar em relação a Ele, acabaremos descrentes de nós mesmos e de nossa própria existência formativa.
A solidão mal vislumbrada, mal compreendida, mal vivida, mal delimitada, vai nos alienar da vida - do animus vivendi - vamos nos tornar fisicamente relapsos com a aparência, a higiene, a vestimenta, os horários. Abandonaremos qualquer método que controla o relógio biológico. Acabaremos nos transformando em outro ser o qual não conhecíamos.
Esse choque causará um acidente psicológico, um diálogo antes mental é agora verbal, de “si para si”. Pior, haverá um árbitro de censura que nos causará assombro e horror. Nosso sentido auditivo visto a estranheza, estará ouvindo a nós mesmos e colocando-se a serviço dos outros sentidos e diluindo-se na confusão da impessoalidade. Aquele que se isola sem preparação do que quer e por quanto tempo irá permanecer na solidão, pode passar na vida sendo um coadjuvante de si mesmo.
Se tivermos em nossa frente uma tela em branco, o verdadeiro artista será entre nós aquele que mais perfeitamente retratará a obra temática de sua vida, as imagens principais, os detalhes, a profundidade em perspectiva, o azulado dos montes mais distantes, o verdor e detalhamento das cores dos primeiros planos o afunilamento da estrada e caminhos, a luz e sombra o esfumato, etc. Enfim, o conjunto da obra remete o expectador a um desiderato de beleza e tradução da clareza temática. O artífice da obra , tentará ser o Da Vinci, o Rafael, o Michelangelo de sua vida, e estará sempre em constante construção.
Quando, porém ao ficarmos em [soledade ou solitude = sozinho/só] por nossa tranquila vontade, não por ditames das paixões impetuosas, será um reflexo humano racional - no sentido de ninguém interferir naquilo que queremos e precisamos meditar - surge um salutar “diálogo” entre o Eu interno e os vetores sensoriais externos - a lógica vital com força de oração, revigor da alma e do espírito que reflete e percorre toda nossa construção anatômica. Nesta saudável Solidão, há um manancial de Paz, Harmonia e Amor, que maravilhosamente só podemos encontrar dentro de nós mesmos.
O que é a Oração solitária, senão tudo isto na busca da usina de energia existente dentro de nós!?
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