A SENHORA
DE CIRENE
Mauro Martins Santos
Mauro Martins Santos
À semelhança de
um personagem de Cirene (hoje, ao norte africano) da Literatura cristã somos
também como ele Simão (Shimon), uma figura obscura na vastidão da jornada
humana. Temos uma passagem efêmera, e como um lampejo de luz de um raio,
riscamos o céu da História e desaparecemos na profunda escuridão do imenso
infinito.
Como um lampejo de luz de um raio, na
vastidão da jornada humana.
Contudo comparando com a ciência da
elétrica, pode cada um de nós variar de um simples clarão de milésimos de uma
fração de segundo, um trovejar quase imperceptível, até chegar-se a uma
potência de três milhões de volts por metro. Tipicamente,
a tensão elétrica, isto é, a força em volts, necessária para um raio ocorrer é
da ordem de um milhão de vezes aquela que utilizamos em nossas casas (comumente
110 volts). A corrente elétrica, que é o fluxo de carga presente num raio, é
cerca de 2000 vezes a que circula numa residência (tudo ligado mais o chuveiro
elétrico de 50 amperes). A temperatura do ar ao redor de um raio pode alcançar
25 mil graus, o processo todo, desde a formação dos precursores até a descarga final,
dura cerca de um segundo resulta numa energia elétrica da ordem equivalente ao
consumo de uma lâmpada de 100 W acesa durante 4 meses. Então cada qual tem sua
potência de duração ou seu brilho, a iluminar a breve noite de sua história
pessoal.
Assim vejo Simão Cirineu no desenrolar da História da cristandade.
simão (Shimon) era
Shuaz - em hebraico significa africano negro - de Cirene e ¹judeu, daí passar
pela História como Simão (Shimon) Cireneu.
A que vem esse desenrolar da História significar? Mas o que um homem da cidade de Cirene¹
estaria fazendo em Jerusalém? O que teria levado este homem a fazer uma viagem
de 1.600 Km? Qual seria o objetivo de Simão ao chegar a Jerusalém no dia 14 de
Abibe? (Abibe - primeiro mês do ano sagrado dos hebreus). Quem era realmente
este Simão “O Cirineu”?
Historicamente, Shimon estava em Jerusalém para comemoração da Páscoa,
que pela tradição todo judeu pelo menos uma vez na vida deveria ir até a Cidade
Santa comemorar essa data. A regra era que deveria estar vestido de branco, ou
imagino que levava em uma bolsa ou apetrecho
semelhante, a veste exigida pela sinagoga que fosse de linho branco sem mancha
alguma.
Shimon não estava vestido de branco, pois voltava do campo. Sem entrar
em detalhes, Shimon foi compelido pelos soldados romanos a ajudar um certo
nazareno ou galileu, condenado. Segundo a História Geral : à comum das penas
romanas da época, serem (os condenados à morte) pregados ou amarrados conforme
interpretação de uns ou outros historiadores -
em dois madeiros formando uma cruz..
Tinham lá suas razões políticas etc.
Portanto o Cirineu não sujou de sangue sua veste branca de linho
porquanto vinha do campo e não teve tempo de ir para a sinagoga.
Mas, o fulcro de minha exposição, sai da História e pende-se agora à
minha imaginação ou prosa fantástica.
Shimon voltou para casa, lá em Cirene. Lá aguardava saudosa, sua amorosíssima
esposa, dedicada mulher que amava Shimon acima de tudo abaixo dos céus, mãe
doadora de dois filhos ao seu idolatrado marido: Rufo e Alexandre.
Como toda mãe e esposa zelosa de seu lar, do esposo e prole, queixa-se a
Simão de que Alexandre - ao revés de Rufo - bom filho e fiel às tradições do
patriarca e ancestrais - mostrava-se
rebelde e desobediente a tudo que se ligava aos usos e costumes da família.
A Senhora de Cirene por isso, começa a chorar, de início brandamente,
suas lágrimas escorrem pelo rosto bem delineado, alongado, sobrancelhas
arqueadas naturalmente que emolduravam seus olhos negros e brilhantes, sua pele
negra era macia como a lã das ovelhas, seu pescoço era como uma coluna de
ébano, seus seios rijos e bastos, arfando de forma rítmica, vai acelerando se
convulsionando em um pranto incontido e desesperado. Todo o quadro emocional da
Senhora de Cirene demonstravam que ela sofria muito. Sua alma também estava
convulsa.
Desabafa. - Shimon, tu correste perigo de morte...! Eu vi que estavas
sendo compelido a acompanhar e ajudar um condenado. Poderias ter sido
confundido também, como um revolucionário rebelde contra o governo de César. E
nosso filho Alexandre, nega tudo o que nossa tradição mais preza. Que faremos
Shimon. Onde está tua vestimenta branca de linho? Conseguiste pelo menos uma
gota de sangue da ovelha imolada na sinagoga?
Recebe das mãos de Shimon a veste de linho imaculadamente branca, sem
uma gota sequer de sangue; sem um mínimo pingo rubro. Rompe a chorar
convulsivamente. Como era possível não ter sido agraciado por uma única só
gotícula de sangue?
Sabia a Senhora de Cirene da tradição e crença hebraica no ato-ritual de
espargir o sangue do cordeiro com o hissopo, aquele que recebesse pelo menos
uma gota, estaria abençoado e guardavam a veste manchada como um verdadeiro
troféu, digno o proprietário das veste em ser visitado pelos membros da
comunidade para tocarem a veste. Mas que lástima, Shimon seu adorado marido
percorreu 1.600 quilômetros e não trouxe a misericórdia da benção de Jerusalém
para seu lar.
Cessa de chorar, cessa de murmurar, abraça seu querido esposo e ela a
abraça, cingindo-a muito forte, ambos arfando beijam-se com a paixão que os
remonta ao começo de suas vidas em comum. Ele a cobre com as vestes, ela prende
o linho branco envolvendo seus cabelos. A Senhora de Cirene repentinamente
começa a sorrir, a rir, a gargalhar, não estranhamente, mas alegremente. Seu
coração recompõe-se ao batimento normal. Suas lágrimas cessam, seus pensamentos
ficam leves e ordenados...
Diz: - Shimon estou
sentindo-me surpreendentemente leve, alegre com a vida, agradecida por ter a
você a meu lado e sem preocupações com os filhos. Sei que Deus tomará conta
deles e nós apenas podemos auxiliá-Lo nessa tarefa. Shimon...! Estás bem?
Porque nada respondes?
Shimon diz à Senhora de Cirene sua adorada esposa: - Porque nunca me
senti tão bem, nunca olhei para fora, para o mundo com tanta esperança.
Estranhamente nunca me senti tão em paz e harmonia com a vida... Algo mudou de
dentro para fora em nossas vidas...
Cirene
e os Judeus, Cirene, cireneu.
¹Cirene era a antiga capital inicial do distrito de Cirenaica, na
costa N da África, quase defronte da ilha de Creta
Os judeus em Cirene e da província
Cirenaica tinham os mesmos direitos da população nativa da região. Havia um
certo prestígio por parte dos judeus no templo pela presença dos cireneus, por
virem de uma região tão vasta e importante para o império romano na época. A
população judaica dessa província era tão significativa, que Jerusalém tinha
orgulho de ter uma sinagoga dos libertos para os visitantes de Cirene e para
outros estados livres (Atos-6:9). Hoje é a Etiópia, então Simão era um africano
que em hebraico é chamado de Shuaz, que significa negro. Eles tinham até uma
sinagoga própria como está escrito em Atos 6:9:
Era, portanto Simão um judeu africano
negro, monoteísta, e eles eram influentes e numerosos pelo fato de manterem,
junto aos alexandrinos e cilícios, uma sinagoga (dos libertos) em Jerusalém.