quinta-feira, 31 de agosto de 2017

A SENHORA DE CIRENE - UMA PARÁBOLA -



A SENHORA DE CIRENE

Mauro Martins Santos

À semelhança de um personagem de Cirene (hoje, ao norte africano) da Literatura cristã somos também como ele Simão (Shimon), uma figura obscura na vastidão da jornada humana. Temos uma passagem efêmera, e como um lampejo de luz de um raio, riscamos o céu da História e desaparecemos na profunda escuridão do imenso infinito.


Como um lampejo de luz de um raio, na vastidão da jornada humana.

Contudo comparando com a ciência da elétrica, pode cada um de nós variar de um simples clarão de milésimos de uma fração de segundo, um trovejar quase imperceptível, até chegar-se a uma potência de três milhões de volts por metro. Tipicamente, a tensão elétrica, isto é, a força em volts, necessária para um raio ocorrer é da ordem de um milhão de vezes aquela que utilizamos em nossas casas (comumente 110 volts). A corrente elétrica, que é o fluxo de carga presente num raio, é cerca de 2000 vezes a que circula numa residência (tudo ligado mais o chuveiro elétrico de 50 amperes). A temperatura do ar ao redor de um raio pode alcançar 25 mil graus, o processo todo, desde a formação dos precursores até a descarga final, dura cerca de um segundo resulta numa energia elétrica da ordem equivalente ao consumo de uma lâmpada de 100 W acesa durante 4 meses. Então cada qual tem sua potência de duração ou seu brilho, a iluminar a breve noite de sua história pessoal.
Assim vejo Simão Cirineu no desenrolar da História da cristandade.



simão (Shimon) era Shuaz - em hebraico significa africano negro - de Cirene e ¹judeu, daí passar pela História como Simão (Shimon) Cireneu.

A que vem esse desenrolar da História significar?  Mas o que um homem da cidade de Cirene¹ estaria fazendo em Jerusalém? O que teria levado este homem a fazer uma viagem de 1.600 Km? Qual seria o objetivo de Simão ao chegar a Jerusalém no dia 14 de Abibe? (Abibe - primeiro mês do ano sagrado dos hebreus). Quem era realmente este Simão “O Cirineu”?
Historicamente, Shimon estava em Jerusalém para comemoração da Páscoa, que pela tradição todo judeu pelo menos uma vez na vida deveria ir até a Cidade Santa comemorar essa data. A regra era que deveria estar vestido de branco, ou imagino que  levava em uma bolsa ou apetrecho semelhante, a veste exigida pela sinagoga que fosse de linho branco sem mancha alguma.

Shimon não estava vestido de branco, pois voltava do campo. Sem entrar em detalhes, Shimon foi compelido pelos soldados romanos a ajudar um certo nazareno ou galileu, condenado. Segundo a História Geral : à comum das penas romanas da época, serem (os condenados à morte) pregados ou amarrados conforme interpretação de uns ou outros historiadores -  em dois madeiros formando uma cruz..  Tinham lá suas razões políticas etc.
Portanto o Cirineu não sujou de sangue sua veste branca de linho porquanto vinha do campo e não teve tempo de ir para a sinagoga.

Mas, o fulcro de minha exposição, sai da História e pende-se agora à minha imaginação ou prosa fantástica.

Shimon voltou para casa, lá em Cirene. Lá aguardava saudosa, sua amorosíssima esposa, dedicada mulher que amava Shimon acima de tudo abaixo dos céus, mãe doadora de dois filhos ao seu idolatrado marido: Rufo e Alexandre.

Como toda mãe e esposa zelosa de seu lar, do esposo e prole, queixa-se a Simão de que Alexandre - ao revés de Rufo - bom filho e fiel às tradições do patriarca e ancestrais -  mostrava-se rebelde e desobediente a tudo que se ligava aos usos e costumes da família.

A Senhora de Cirene por isso, começa a chorar, de início brandamente, suas lágrimas escorrem pelo rosto bem delineado, alongado, sobrancelhas arqueadas naturalmente que emolduravam seus olhos negros e brilhantes, sua pele negra era macia como a lã das ovelhas, seu pescoço era como uma coluna de ébano, seus seios rijos e bastos, arfando de forma rítmica, vai acelerando se convulsionando em um pranto incontido e desesperado. Todo o quadro emocional da Senhora de Cirene demonstravam que ela sofria muito. Sua alma também estava convulsa.

 Desabafa. - Shimon, tu correste perigo de morte...! Eu vi que estavas sendo compelido a acompanhar e ajudar um condenado. Poderias ter sido confundido também, como um revolucionário rebelde contra o governo de César. E nosso filho Alexandre, nega tudo o que nossa tradição mais preza. Que faremos Shimon. Onde está tua vestimenta branca de linho? Conseguiste pelo menos uma gota de sangue da ovelha imolada na sinagoga?

Recebe das mãos de Shimon a veste de linho imaculadamente branca, sem uma gota sequer de sangue; sem um mínimo pingo rubro. Rompe a chorar convulsivamente. Como era possível não ter sido agraciado por uma única só gotícula de sangue?

Sabia a Senhora de Cirene da tradição e crença hebraica no ato-ritual de espargir o sangue do cordeiro com o hissopo, aquele que recebesse pelo menos uma gota, estaria abençoado e guardavam a veste manchada como um verdadeiro troféu, digno o proprietário das veste em ser visitado pelos membros da comunidade para tocarem a veste. Mas que lástima, Shimon seu adorado marido percorreu 1.600 quilômetros e não trouxe a misericórdia da benção de Jerusalém para seu lar.
Cessa de chorar, cessa de murmurar, abraça seu querido esposo e ela a abraça, cingindo-a muito forte, ambos arfando beijam-se com a paixão que os remonta ao começo de suas vidas em comum. Ele a cobre com as vestes, ela prende o linho branco envolvendo seus cabelos. A Senhora de Cirene repentinamente começa a sorrir, a rir, a gargalhar, não estranhamente, mas alegremente. Seu coração recompõe-se ao batimento normal. Suas lágrimas cessam, seus pensamentos ficam leves e ordenados...

Diz: - Shimon estou sentindo-me surpreendentemente leve, alegre com a vida, agradecida por ter a você a meu lado e sem preocupações com os filhos. Sei que Deus tomará conta deles e nós apenas podemos auxiliá-Lo nessa tarefa. Shimon...! Estás bem? Porque nada respondes?
Shimon diz à Senhora de Cirene sua adorada esposa: - Porque nunca me senti tão bem, nunca olhei para fora, para o mundo com tanta esperança. Estranhamente nunca me senti tão em paz e harmonia com a vida... Algo mudou de dentro para fora em nossas vidas...



Cirene e os Judeus, Cirene, cireneu.
¹Cirene era a antiga capital inicial do distrito de Cirenaica, na costa N da África, quase defronte da ilha de Creta
Os judeus em Cirene e da província Cirenaica tinham os mesmos direitos da população nativa da região. Havia um certo prestígio por parte dos judeus no templo pela presença dos cireneus, por virem de uma região tão vasta e importante para o império romano na época. A população judaica dessa província era tão significativa, que Jerusalém tinha orgulho de ter uma sinagoga dos libertos para os visitantes de Cirene e para outros estados livres (Atos-6:9). Hoje é a Etiópia, então Simão era um africano que em hebraico é chamado de Shuaz, que significa negro. Eles tinham até uma sinagoga própria como está escrito em Atos 6:9:
Era, portanto Simão um judeu africano negro, monoteísta, e eles eram influentes e numerosos pelo fato de manterem, junto aos alexandrinos e cilícios, uma sinagoga (dos libertos) em Jerusalém. 

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