CRUZ DO PAGO
- Jayme Caetano Braun -
Homenageado após sua morte e considerado um dos maiores poetas tradicionalistas gaúchos.
|
Meio assim como uma queixa
Que a lo largo* foi deixada, De algum combate extraviada Na imensidão da planura, Repousa a triste figura De velha cruz falquejada Que assinala a terra içada De uma humilde sepultura! Cerne rijo, como a fibra De guasca* que ali descansa, No leito de grama mansa Exposta à chuva e o vento, Velha cruz, mudo lamento De quem perdeu a esperança E apagou-se da lembrança Nas trevas do esquecimento! Revives, cruz do meu pago, Nessa imensa soledade* A passada austeridade Dos índios que te plantaram Depois que te falquejaram, Num gesto de humanidade E as sementes da saudade Ao teu redor espelharam! E junto a terra pisada, Onde o capim se termina, Desengonçada se inclina Rude coroa esquecida, Tristonha e descolorida, Deixou na cruz campesina Um sinal de despedida! Ninguém sabe a quem abrigas Nem te lembra a procedência, E eu me volto em reverência Quando chego junto a ti, Cruz do campo onde nasci Lembrando num temor vago De outros filhos do meu pago Que morreram por aí... Na humildade do teu vulto Até as penas são de rédeas Na evocação da tragédia Que te deixou como rasto, E o teu cerne velho gasto Que ao léu do tempo reduz, É um mistério, velha cruz, Rodeada de mata-pasto! Vejo em ti, cruz sem legenda Plantada em rude munchão, A própria cruz do rincão Tristonha, humilde e vencida, Como planta ressequida Na inclemência do verão, Que nesse palmo de chão, Entre mágoas e protestos, Abriga os últimos restos Da crioula tradição!! |
Vocabulário Riograndense do Sul (Gaúcho)
*a lo largo - ao passar do tempo
guasca - valente
soledade - solidão
falquejada - desbastada com faca, esquadrejada
pago = rincão - terra, lugar onde se nasceu
crioula - que lá nasceu, gaúcha, nativa do Rio Grande do Sul