DEIXOU DE
SER RIO PARA TORNAR-SE OCEANO
Um réquiem
ao Sr José Maria Duprat (Nosso “Rubem Alves”) Membro fundador da AGL - Academia Guaçuana de Letras -
Mauro Martins Dos Santos - Membro Fundador da AGL.
Conta-se uma
história, que uma pequenina fonte começou a borbulhar lá no alto de uma enorme
e íngreme montanha e um filete de água iniciou a sua jornada.
Foi descendo pelas
encostas, foi crescendo com outras fontes, aumentando seu volume, e num
esplendido salto atingiu lá embaixo o vale, no sopé da montanha.
Foi correndo célere
por entre as árvores dos bosques, as pedras, formando corredeiras e cachoeiras lutando em seu caminho ora mais facilmente,
ora com dificuldades. Admirava-se, sua força, sua habilidade e persistência ao
vencer os obstáculos.
Crescia em percurso e largura. Passou por planícies
e por áreas desérticas. Umedeceu-as, dando-lhes condições de acolher as
sementes para florescerem e darem frutos. Forneceu os frutos do alimento a
homens, mulheres e crianças que se agrupavam às suas margens.
Matou a sede da
terra, de povos, de animais e de pássaros, soube louvar e honrar a natureza.
Teve sempre a Fé enaltecedora dos mansos de espírito ao seu Criador!
Conheceu outras
correntes de água e as reuniu em si, tornando-se maior e mais fecundo. Os
peixes, seus amigos, nutriam-se e multiplicavam-se em suas águas translúcidas.
Era feliz! Fazia aos
outros felizes com sua mansidão, virtude dos verdadeiramente fortes. Mas,
chorou um choro de águas, que só Deus pode ver, quando lhe caiu uma “Ponte”. A
mais amada de todas as Pontes, a que unia com resplendor suas mais veneradas
margens. As margens em torno das quais
se reuniam aqueles que lhe eram mais caros. E ela os unia.
Porém, certo dia, um
pouco adiante, foi despertado para uma realidade: seu caminho seguia, inexoravelmente
em direção ao mar, talvez alertado por uma ligeireza em suas correntes mais profundas.
Parecia ao bravo rio
- no entanto sem murmúrios – que estaria chegando o momento em que iria entrar
no “Grande Oceano Azul”, assim pensava, e, que iria desparecer como rio, para
sempre.
Pensou contudo, ser esta realidade um meio de ingressar em
outro leito que o fizesse voltar à sua tão amada Ponte ou encontrá-la outra vez.
Mas não havia como saltar sobre o horizonte distante e invisível do Grande Oceano Azul, nem tão pouco voltar
atrás. Os rios não voltam jamais. Mas podem encontrar quem os amou um dia. As
flores não lhes são lançadas em vão...
Ao fazer a derradeira
curva, teve em sua superfície refletidas as nuvens brancas e além o
Infinito Azul, quando descortinou-se aos
seus olhos o interminável mar. Imenso.
Sentiu um quê não conhecido, não sentido em seu curso, seria o tão
falado medo?
Não. O grande e
valente Rio não conhecia a palavra medo. Poderia Ignorar, mas ao vivenciar, ao
saber, tudo se tornava claro como suas próprias águas que lhe davam a
consistência da vida.
No entanto, percebeu
que esse era o seu porto final. E, confiante como em toda sua existência, fez a
sua última descida. Ingressou Naquele que era maior que a si próprio, o vasto e
profundo Oceano.
Brilhou então a Verdade.
Entrar no Grande Oceano Azul não é deixar de existir, não é morrer, não é o fim
e sim tornar-se parte dele, para um recomeço do sagrado ciclo da criação pelas
mãos do Sagrado Artífice do Universo.
O garboso e sereno
Rio, após seu singular percurso, tornou-se parte integrante do mar, como tantos
outros rios que haviam chegado de todos os cantos do mundo. Grandes, velhos,
jovens, escuros, castanhos, amarelos, rios de todas as partes da Terra, em
sonora e borbulhante confraternização, eternizando felizes suas águas, para a
grande festa do ciclo vital das águas: todos ansiosos para tornarem-se chuva e
caírem das nuvens lá para as bandas de onde nasceram.
Agora nosso querido
Rio já não está mais só. É parte de um Grande Plano, onde, entrelaçados e
unidos, todos são apenas UM, para todo o Tempo de Deus.
Deixou de ser Rio
para se tornar Oceano.