sábado, 24 de dezembro de 2016

A MENINA E O VENDEDOR DE PINHÕES
















A MENINA E O VENDEDOR DE PINHÕES.

Mauro Martins Santos


A noite havia chegado depressa, naquela pequena vila do Sul; era véspera de Natal; soprava um vento gelado vindo da Antártida e dos Andes, chamavam-no de Minuano, uivava como fossem lobos guarás nos profundos bosques de araucárias e havia folhas secas e acículas espalhadas no chão.

Aquele pobre vendedor de pinhões de  nome Pedro, tinha passado o dia inteiro vendendo  pinhões cosidos umas poucas pinhas e algumas lembrancinhas da região.

Mas dava Graças ao Patrão dos Céus, como na entonação de seu forte sotaque demonstrava todo seu respeito e obediência a Deus, pois não voltava para casa trazendo nenhum pinhão e nenhuma pinha, inclusive nós de pinho, usados para fazer fogo de chão, e aquentar lareiras.

Na verdade, só tinha sobrado um saquinho dos pinhões cozidos que insistiu em vender, para orgulhosamente voltar para casa e dizer aos seus dois filhinhos, uma menina e um gurizinho e à sua bondosa esposa, que vendera tudo e dar a ela o resultado de seu dia de trabalho. Era um dos saquinhos maiores, pois trabalhava com dois tipos, um era menor e mais barato. 

Pensava ele: se aparecer um freguês - como de costume, a pessoa  aguardava -  a água  estando fervente ainda, colocava os pinhões na água, mais um pouquinho de sal e o comprador os tinha  quentes, como feitos na hora.

Mas a única rua, que era ao mesmo tempo avenida, rua principal, estrada de rodagem e atravessava de lado a lado o vilarejo já estava deserta, um ou outro carro de turistas passava apressado, poucas pessoas passavam ligeiras, se esfregando para aquecer braços e mãos, sem prestar atenção aos seus brados de vendedor.

É o ultimo! Dizia ele já muito cansado – “o último saquinho de pinhões duplo pelo preço de um!” Ninguém quer comprá-lo?

Como ninguém parava,  ele  começou a desmontar  a barraca acoplada no velho carro, que o levaria de volta ao Recanto dos Pinhais, uma pequena gleba de terra coberta de um bosque de belas e majestosas araucárias. Morava ele em uma casa de madeira. O frio era intenso, por isso lhe dava vontade de correr para  dentro de casa, ficar junto da lareira abraçado à família.

Mas ocupado em desmontar a barraca, ao enrolar a lona, para guardá-la no porta-malas, só então, Pedro percebeu a figura pequena e trêmula de uma menina – teria uns seis anos, franzina tremendo de frio sem qualquer abrigo, apenas o vestidinho de chita. Mas estava quieta, sem chorar, sem nada pedir; calada, parada, olhando-o fixamente com seus olhos grandes e azuis, brilhando na iluminação da rua.

Olhava para o saquinho recheado de pinhões e engolia em seco a coitadinha!

Sem atinar outra coisa, imaginou uma criança, já ao anoitecer, ainda na rua e disse mansamente: Vá para a sua casa menina! - disse-lhe Pedro.  Vá para casa, aquecer-se um pouco, não carece de ficar nesse frio! Até eu já deixo o trabalho e vou-me embora para casa também.

A menina não respondia.  Pedro então notou seu rostinho magro, só se viam os olhos azuis e fixos, enormes; ela não escutava o que o vendedor de pinhões falava...

O vendedor  então condoído do pequeno vulto, pensando em seus filhos resolve perguntar : - Onde estão seus pais ? 
- Eles morreram, disse a menininha num fio de voz. Não tenho mais ninguém, só este cachorrinho que dorme comigo na rua!
Aonde? - Lá, apontando uma velha capela de madeira.

O vendedor era totalmente pobre, só tinha aquele bosque de araucária que lhe dava o sustento e lhe deu sua casinha de madeira; mas o brilho dos olhos enormes daquela menina o emocionou às lágrimas; e de repente, levado por algo estranho, sem atinar seu braço se moveu e estendeu o saquinho de pinhões cozidos para a criança.

Ela o pegou, correu para Pedro e o abraçou, murmurou um: - obrigada!! - e se foi, desaparecendo no interior da corroída capela.

Naquele mesmo instante,  uma estrela de um brilho excepcional que Pedro jamais vira na vida, iniciou a riscar o céu; brilhou mais intensamente, cruzou  o cetim escuro do céu cravejado de brilhantes – e desapareceu  enfim, no longínquo horizonte recortado pelas montanhas .

Pedro desprendido do mundo e de si mesmo, percorreu o infinito, seguindo como os olhos o esplendor daquele cintilante trajeto... E soube sem explicação, da mesma forma enigmática do mover de seu braço e mãos ofertando os pinhões à criança... Lá no fundo do seu coração, que esse sinal foi o tracejado e sublime agradecimento de uma mãe.


*

Hoje passados anos e anos, Pedro e Eudóxia, tem três filhos, dois são casados  moram em uma cidade grande, a do meio permaneceu no Recanto dos Pinhais, cuidando do casal de velhos, seus pais adotivos.



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