A MENINA E
O VENDEDOR DE PINHÕES.
Mauro Martins Santos
Mauro Martins Santos
A noite
havia chegado depressa, naquela pequena vila do Sul; era véspera de Natal;
soprava um vento gelado vindo da Antártida e dos Andes, chamavam-no de Minuano,
uivava como fossem lobos guarás nos profundos bosques de araucárias e havia
folhas secas e acículas espalhadas no chão.
Aquele
pobre vendedor de pinhões de nome Pedro,
tinha passado o dia inteiro vendendo
pinhões cosidos umas poucas pinhas e algumas lembrancinhas da região.
Mas dava
Graças ao Patrão dos Céus, como na entonação de seu forte sotaque demonstrava
todo seu respeito e obediência a Deus, pois não voltava para casa trazendo
nenhum pinhão e nenhuma pinha, inclusive nós de pinho, usados para fazer fogo
de chão, e aquentar lareiras.
Na verdade,
só tinha sobrado um saquinho dos pinhões cozidos que insistiu em vender, para
orgulhosamente voltar para casa e dizer aos seus dois filhinhos, uma menina e
um gurizinho e à sua bondosa esposa, que vendera tudo e dar a ela o resultado
de seu dia de trabalho. Era um dos saquinhos maiores, pois trabalhava com dois
tipos, um era menor e mais barato.
Pensava ele: se aparecer um freguês - como de
costume, a pessoa aguardava - a água
estando fervente ainda, colocava os pinhões na água, mais um pouquinho de sal e
o comprador os tinha quentes, como
feitos na hora.
Mas a única
rua, que era ao mesmo tempo avenida, rua principal, estrada de rodagem e
atravessava de lado a lado o vilarejo já estava deserta, um ou outro carro
de turistas passava apressado, poucas pessoas passavam ligeiras, se esfregando
para aquecer braços e mãos, sem prestar atenção aos seus brados de vendedor.
É o ultimo!
Dizia ele já muito cansado – “o último saquinho de pinhões duplo pelo preço de um!”
Ninguém quer comprá-lo?
Como
ninguém parava, ele começou a desmontar a
barraca acoplada no velho carro, que o levaria de volta ao Recanto dos Pinhais,
uma pequena gleba de terra coberta de um bosque de belas e majestosas
araucárias. Morava ele em uma casa de madeira. O frio era intenso, por isso lhe
dava vontade de correr para dentro de casa, ficar junto da lareira abraçado
à família.
Mas ocupado
em desmontar a barraca, ao enrolar a lona, para guardá-la no porta-malas, só
então, Pedro percebeu a figura pequena e trêmula de uma menina – teria uns
seis anos, franzina tremendo de frio sem qualquer abrigo, apenas o vestidinho
de chita. Mas estava quieta, sem chorar, sem nada pedir; calada, parada,
olhando-o fixamente com seus olhos grandes e azuis, brilhando na iluminação da
rua.
Olhava para o saquinho recheado de pinhões e
engolia em seco a coitadinha!
Sem atinar
outra coisa, imaginou uma criança, já ao anoitecer, ainda na rua e disse
mansamente: Vá para a sua casa menina! - disse-lhe Pedro. Vá para
casa, aquecer-se um pouco, não carece de ficar nesse frio! Até eu já deixo o
trabalho e vou-me embora para casa também.
A menina
não respondia. Pedro então notou seu
rostinho magro, só se viam os olhos azuis e fixos, enormes; ela não escutava o que
o vendedor de pinhões falava...
O vendedor então condoído do pequeno vulto, pensando em
seus filhos resolve perguntar : -
Onde estão seus pais ?
- Eles
morreram, disse a menininha num fio de voz. Não tenho mais ninguém, só este
cachorrinho que dorme comigo na rua!
Aonde? -
Lá, apontando uma velha capela de madeira.
O vendedor
era totalmente pobre, só tinha aquele bosque de araucária que lhe dava o
sustento e lhe deu sua casinha de madeira; mas o brilho dos olhos enormes
daquela menina o emocionou às lágrimas; e de repente, levado por algo estranho,
sem atinar seu braço se moveu e estendeu o saquinho de pinhões cozidos para a
criança.
Ela o
pegou, correu para Pedro e o abraçou, murmurou um: - obrigada!! - e se foi,
desaparecendo no interior da corroída capela.
Naquele
mesmo instante, uma estrela de um brilho excepcional que Pedro jamais vira na vida, iniciou a riscar
o céu; brilhou mais intensamente, cruzou o cetim escuro do céu cravejado
de brilhantes – e desapareceu enfim, no longínquo horizonte
recortado pelas montanhas .
Pedro desprendido do mundo e de si mesmo, percorreu o infinito, seguindo como os olhos o
esplendor daquele cintilante trajeto... E soube sem
explicação, da mesma forma enigmática do mover de seu braço e mãos ofertando os
pinhões à criança... Lá no fundo do seu coração, que esse sinal foi o tracejado
e sublime agradecimento de uma mãe.
*
Hoje passados anos e anos, Pedro e Eudóxia, tem três
filhos, dois são casados moram em uma
cidade grande, a do meio permaneceu no Recanto dos Pinhais, cuidando do casal de velhos, seus pais adotivos.
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