MANIA : “SELFIES”
Compulsão ao limite do bizarro
PESQUISA:
CONECTIVIDADE
Google-Internet
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Registrar os momentos com vídeos, atualizações de status
e selfies é inevitável, mas podemos estar ultrapassando os limites. É o que
pensa o pesquisador Andrew Hoskins, da Universidade de Glasgow, na Escócia.
Ele está em São Paulo para o Fórum Permanente de Gestão do
Conhecimento, Comunicação e Memória - organizado pelo Museu da Pessoa e outras
instituições parceiras -, onde falará sobre como as tecnologias digitais estão
mudando a maneira como os acontecimentos atuais se tornam memória.
Manter-se conectado a todo momento, segundo Hoskins, já é
parte integrante da experiência de estar em qualquer lugar e se tornou uma
espécie de compulsão. Isso ajudaria a explicar, por exemplo, a polêmica
levantada pelos autorretratos tirados durante o funeral de Eduardo Campos.
O pesquisador, que fundou a publicação especializada Memory
Studies, fala até mesmo de um "esvaziamento da memória" à medida
que as pessoas se tornam mais dependentes das buscas online e guardam extensos
arquivos e fotos pessoais digitais que nunca serão visualizados.
"A memória sempre se faz no presente. Ainda não
entendemos a magnitude da maneira como a tecnologia mudará nossa memória no
futuro", disse o pesquisador à BBC Brasil.
Confira a entrevista:
BBC Brasil: Durante o funeral do ex-candidato
presidencial Eduardo Campos, pessoas foram criticadas por tirar selfies mesmo
próximo ao caixão. Como você vê isso? Pode ser considerado desrespeitoso ou
seria uma reação normal ao estar presente em um evento histórico?
Andrew Hoskins: Depende do ponto de vista de
cada um. A noção do que é público se transformou com a tecnologia. E há agora o
que eu chamo de compulsão pela conectividade. Então a pergunta a se fazer é por
que as pessoas estão tirando selfies? Por que elas estão constantemente
registrando tudo? É em parte a ideia do que é estar em um espaço público hoje,
o que é entender uma certa experiência ou evento.
A tecnologia sempre esteve presente nesse sentido, mas para
mim há um ponto em que chegamos longe demais. É quando registrar o evento se
torna mais importante do que ver o que está sendo registrado. Acho que esse
momento estamos vivendo agora.
BBC Brasil: E a noção que temos dessas regras de
comportamento vai mudar ao longo do tempo?
Andrew Hoskins: Essa moral é geracional e está
sempre mudando. São níveis diferentes de alfabetização midiática. O uso normal
para uma pessoa não é o mesmo para outra.
Quando eu vou para um show, eu quero ver uma banda, eu vou
para ver a performance. Eu não quero alguém diante de mim balançando o
telefone, a câmera ou um iPad. Mas eu sou de outra geração, eu acho isso
estranho. Eles claramente acham que não. Eles acham que isso é parte rotineira
do que significa estar em um evento ao vivo. Essa midiatização dos eventos é
algo que mudou muito nos últimos cinco anos.
Image captionPesquisador Andrew Hoskins diz que a tecnologia
está mudando a forma como fatos se tornam memórias
Eu também vivo tirando fotos e gravando tudo o que acho
interessante, não estou acima disso. Mas você precisa se perguntar: como seria
essa experiência se você não a tivesse registrado? O que ela significaria para
você uma semana ou dois meses depois sem aquele registro audiovisual? Quão
importante é esse registro na formação da memória daquele evento? Outras
pessoas construirão suas memórias sem isso e sempre foi suficiente.
BBC Brasil: Em seu livro iMemory você
diz que a compulsão pela conectividade pode ser responsável pelo esvaziamento
da nossa memória. Como esse esvaziamento acontece? Nos lembramos de menos
coisas porque estamos muito ocupados tirando fotografias?
Andrew Hoskins: A memória hoje é menos uma
questão de lembrar e mais uma questão de saber para onde olhar. Muitos
psicólogos dizem que há uma diminuição da memória humana por causa da nossa
crescente confiança na tecnologia. Quando eu era criança, eu tinha que lembrar
das coisas. Agora se eu não me lembro, posso digitar e aparece para mim.
A grande mudança é que a confiança nas tecnologias da comunicação
e da informação para criar memórias, para se sociabilizar e para se informar
está passando a ser um dependência. E esse é o ponto crítico. Diferentes países
estão em diferentes estágios, mas estamos todos entre a confiança e a
dependência das tecnologias.
Contar com essas tecnologias é bom, na minha opinião. Mas
depender delas é outra coisa. A noção de compulsão pela conectividade sugere
para mim que estamos dependentes. É essa coisa de não poder ficar sem checar
mensagens no telefone, sem tirar fotos. De não poder ficar desconectado por
algum tempo, porque nos sentimos sozinhos e alienados.
BBC Brasil: E é possível determinar quais eventos as
pessoas devem ou não registrar? Como shows ou mesmo funerais?
Andrew Hoskins: Há pessoas que estão tentando.
Há algumas bandas que pedem aos fãs que não gravem, não fotografem e não usem
seus telefones durante os shows e alguns aderem a isso. Mas eles são a exceção,
não a regra. A sensação é de que isso é inevitável e de que a penetração dos
smartphones faz parte da sociabilidade do dia a dia. É impossível escapar
deles.
BBC Brasil: Mesmo antes dos celulares, estes eventos já
eram sociais. Em funerais, já se debatia o hábito de conversar animadamente com
outras pessoas. Nos anos 1960 já se dizia que fãs dos Beatles iam aos shows
mais para gritar do que para assistir à banda. A tecnologia móvel mudou isso
tanto assim ou estamos apenas nos adaptando a um novo formato?
Andrew Hoskins: Em países e regiões diferentes
as coisas mudam em ritmos distintos. O que é um comportamento aceitável em cada
lugar é cultural e regional. É difícil ter uma resposta única para esta
pergunta. Mas é realmente uma questão de adaptação.
Especialmente se você pensar que muitas das pessoas tirando
essas fotos são de uma geração mais nova. Há 30 anos, quando eu era criança, a
pessoa que tirava todas as fotos das férias em família era meu pai. Era o pai
que determinava o que seria, no futuro, a memória da família. Então tínhamos
aquela perspectiva bastante patriarcal e masculina. Quem tira as fotos hoje? Os
filhos. Então temos hoje uma perspectiva diferente sobre as famílias. Nesse
sentido, a mudança é interessante.
BBC Brasil: No caso da política, é mais fácil hoje trazer
de volta promessas de campanhas e escândalos envolvendo os candidatos para
continuar cobrando respostas. A tecnologia estaria ajudando a nossa memória
política?
Andrew Hoskins: Sim e não. Há muitas maneiras de
responder a essa pergunta. Uma delas tem a ver com a maneira como os políticos
estão lidando com o presente, porque eles sabem que tudo está sendo gravado e
poderá ser usado contra eles. Na Grã-Bretanha, acho que o discurso político se
tornou muito insosso porque os políticos têm medo de dizer algo que eles sabem
que dois meses depois será recuperado rapidamente para contradizer a próxima
coisa que eles disserem.
Image caption
Segundo pesquisador, 'selfies' podem ser explicadas por uma
compulsão pela conectividade.
O jornalismo sempre fez isso, mas era muito difícil. Você
tinha que analisar um arquivo imenso para encontrar o momento em que uma pessoa
prometeu algo. Mas agora qualquer um pode fazê-lo, chama-se Google. Isso tem um
efeito adverso na política. Porque os políticos, assim como qualquer um, não
querem ter que responder por opiniões e promessas que inevitavelmente mudam -
por boas e más razões. Então o discurso deles tende a ser mais vazio.
Por outro lado, há uma filosofia de que a memória perfeita e
completa sobre todas as coisas é algo bom, mas isso ignora algo fundamental:
nem todas as memórias são boas. Também queremos esquecer coisas. Esquecer não é
disfuncional, é muito importante.
BBC Brasil: Mas ao escolher representantes políticos é
importante lembrar, não?
Andrew Hoskins: Sim e não. Quando o
ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown chamou uma eleitora de
"preconceituosa" em 2010, a tecnologia o pegou desprevenido. (Gordon
havia acabado de cumprimentar a mulher, Gillian Duffy, e fez o comentário
momentos depois, no carro, para um de seus assessores, sem perceber que ainda
usava um microfone do canal de TV Sky News. O caso repercutiu em todo o país).
Um microfone que estava ligado o pegou falando o que ele
realmente pensava e isso foi visto como degradante. Aquela frase representava
tudo o que Gordon Brown pensava? Provavelmente não. Mesmo assim, ela manchou a
memória política do homem que ele foi e das coisas que pensou.
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