ALÉM DO
PORTAL DA ETERNIDADE
Texto
poético em prosa
Publicado
por Mauro
Martins Santos em 23 janeiro 2016
Como as
gaivotas deslizam em meio ao invisível ar e voam porque creem que voam, e as
ondas do mar se encontram sem nunca terem pertencido ao mesmo espaço líquido -
vindas de antípodas partes dos confins do mundo - assim, nos encontraremos e
nos uniremos após o resplandecente portal da eternidade.
Vão-se as gaivotas grasnando alegres, porque viver lhes
basta, e viver é preciso, como morrer é de um determinismo preciso. Vão
planando, tocando a água, volantes sobre as ondas; e nós também vamos
seguindo-as nessa aventura...
Se quando às noites eu chorava - e tu resistias não uma
só noite, mas diversas - não só a mim como a todos os seus filhos -
tinhas a Fé que era a benção de Deus que vinha te encontrar pela manhã
insone. Tua recompensa divina sempre foi ter sido coberta pela cúpula de
estrelas, muito além e acima do telhado de nossa casa humilde.
A luz do sol sempre te glorificou sorrindo, e as estrelas
cauterizavam todas as cicatrizes de teu sofrimento.
No janeiro em que nasci - tu me contavas na infância que: “A chuva caia pesadamente e a cegonha tinha chegado toda ensopada, e que tu e vovó, tiveram que enxugar a mim e à coitadinha”.
No janeiro em que nasci - tu me contavas na infância que: “A chuva caia pesadamente e a cegonha tinha chegado toda ensopada, e que tu e vovó, tiveram que enxugar a mim e à coitadinha”.
Hoje isto me soa triste, porque após quarenta e cinco
anos, fui conhecer a velha casa na Rua Humaitá onde nasci, e tu me mostraste
após adentrar pela enorme porta de batentes pintados de azulão - em um comprido
corredor à esquerda - o quarto onde vi pela primeira vez a luz do mundo. Tu me
disseste ainda, lá ao fundo, onde havia a cozinha: “Aquela janela, foi vosso
pai quem fez para olhar e jogar milho para as galinhas no quintal” - assim
mesmo: “vosso pai”, como ainda falamos em família; [Pronome
possessivo da segunda pessoa do plural.] Isto me tocou pungentemente o coração,
e chorei contidamente por fora e copiosamente por dentro. Mais, porque os
atuais moradores nos acolheram e fizeram olhos e imensa bondade, como quem
recebe um ilustre visitante, sem nunca terem sabido de minha
existência.
As sombras e os rastros em meu caminho são como projeções
de um forte holofote emissor de luz e captador de imagens, que faz desfilar as
formas capturadas em sua frente. As silhuetas e recortes não projetados das
formas humanas contra um fundo branco têm por origem, certas panes de lâmpadas
“dentro de mim” que ainda não foram bem conectadas - ou propositalmente
desligadas.
Tua luz estelar e de sol iluminante sorria nos dias de
neblina invernal de meu coração de criança, de sempre criança para ti, aquela
mesma criança que tu conduzias pela mão à escola, à casa do vendedor de
jornais, revistas e figurinhas. A festa que tu fazias comigo, quando saia do
envelopinho “aquela figurinha carimbada” do álbum, “Raças e Costumes do Mundo
Inteiro”- e, repetida às almas de minha alma, os meus filhos pequenos...!
Jamais - por tua causa, duvidei da existência de Anjo da
Guarda. Sei que em um tempo limitado pela vida - não pela morte - esse Anjo
existiu. Saía do meio das flores, das rosas, palmas e dálias de um jardim que
minha infância de amor, significativamente povoou... Amor imensamente terno, em
uma perene estação de Primavera, que até hoje eu já velho, nunca se desbotou.
Quando o dia lá se ia, a noite havia chegado, o beijo de
um anjo recebia,
Elevava uma simples prece eivada de emoção, junto ao
ouvido me dizia:
“Sou tua mãe apenas - quisera um Anjo ser - para bem
assim ser lembrada”,
Hei de dar-vos - meus filhos - o amor, minha vida. Por
teu pai, teus irmãos,
Quero ser mais que uma sombra que passa, ou como tu me
vês: uma Fada.
Assim num balbuciar de visão luzente, junto à brisa
fresca das madrugadas,
Que passeia entre as flores e ramagens, a tua presença
de volátil aragem.
Vão-se os dias que forem, e se finde o meu Tempo, sempre
serás iluminada,
Minha dourada fada de alegria infinda foste mais que uma
simples imagem.
O mistério da vida é talvez maior que o da morte - eis
que a vida existe mas por si mesma não subsiste.
A nefasta morte que também existe - persiste e não
desiste - antiga como a própria sombra da noite, ela resiste. Vai-se a
vida para a morte existir.
Hoje, tantos anos depois, onde a noite dos tempos me
separa do Anjo que me fez sonhar e ser o que sou. Não tenho glórias para mim,
mas para meus filhos e netos. Rememoro em verdade a importância de sopesar a
existência.
Passamos uma longa vida na ilusão de reter a sabedoria
sendo que ela nos é volátil como a efêmera névoa do brilhante amanhecer.
Somos maus aprendizes da arte de conhecer o mundo;
lembremo-nos quantas vezes nós dizemos de pronto que ele nos engana...
Um esquilo, por exemplo, está na contagem da existência
por instantes, e estoca o necessário para sua vida e seus filhotes. Não há
desperdício de tempo, pois não há consciência
do tempo para lhe fazer falta.
Nós outros, no entanto, desperdiçamos o tempo afetivo
jogando-o como lastros ao mar; antes, muito antes, de o navio porventura vir a
naufragar!
Se vivêssemos a vida - da forma dos esquilos e das
borboletas - constataríamos que o tempo não existindo, o iríamos ter para uso
com sobra. No entando nós humanos com a noção do tempo, não temos tempo para
nada...
Minha fada encantada também me contou sobre a vida e
trabalho do João de barro e de sua companheira, a pequenina “joana de barro” ,
ambos lado a lado esses seres alados vivem por toda a vida - que não tendo a consciência do tempo - a natureza
a eles eterniza.
Tenho profundos sinais que a vida me deixou - todos nós
temos. Eu me feri mas também produzi a tempo, como as abelhas, o antibiótico de
minha autocura. E, sobrevivi.
A lembrança do caminho com o Anjo que ao tempo todo me
referi, vai além da simples formulação de conselhos e recomendações. Seu
acompanhamento foi de proteção, porém incutindo responsabilidade e rumos. Suas
exigências eram embasadas em severa vigilância quanto à honestidade e valoração
aos estudos, respeito, espiritualidade e
ao que dizia ser o carro chefe da pessoa: o estrito apego à Verdade.
Fazia uma cumplicidade invejável com papai, ambos
endossando as ordens um do outro, e ponderando a portas fechadas o que fosse
melhor para suas crianças. Emocionantes e firmes exemplos esses - que retomei aos
meus dois filhos, tendo produzido magníficos resultados de vitórias, alegrias e
orgulho. Uma moça e um moço dignos e honrados.
Fui uma criança que teve o privilégio de ter tido um Anjo
particular. A lembrança daquela criança - me remete a crer que Deus ainda não
se esqueceu da humanidade - pois ainda nos dota da presença, ainda que por
curta jornada, de um Anjo de Luz e Benção como foi a querida e inesquecível
por todas as causas: MINHA MÃE!
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Maria
Iraci Leal em 23 janeiro 2016 at 1:19
Querido amigo poeta Mauro Martins Santos...
Chorei, não consegui deixar de relembrar tal
como escreveste, o lugar onde nasci, a convivência com minha mãe, as
conversas e as promessas de amor incondicional... Lindo demais, mais que uma
homenagem, o filho poeta que faz de sua pluma o eterno reconhecimento ao 'ser'
mãe, anjo na Terra que nos recebeu em seus braços, encantada
e sensibilizada, parabéns, bjs MIL.
Monica Pamplona em 3 janeiro
2016 at 1:52
Tuas linhas
tocam a emoção, através da sensibilidade de tuas palavras.
O ser
materno, por si só, já é dotado da grandeza do amor incondicional. Porém,
diante de tua leitura, tal sentimento brilha com a intensidade da luz da
saudade. Reflete no peito toda a sensação já sentida, da infância.
Bom seria,
que as mães fossem eternas. Mas... Felizmente se pode contar, com tanta
recordação em amor e carinho.
Mais essa
preciosidade para teu acervo, querido amigo.
Parabéns.
Lindo. Não tenho palavras. Abraços
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