terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

ALÉM DO PORTAL DA ETERNIDADE





























ALÉM DO PORTAL DA ETERNIDADE  
Texto poético em prosa
Publicado por Mauro Martins Santos em 23 janeiro 2016

Como as gaivotas deslizam em meio ao invisível ar e voam porque creem que voam, e as ondas do mar se encontram sem nunca terem pertencido ao mesmo espaço líquido - vindas de antípodas partes dos confins do mundo - assim, nos encontraremos e nos uniremos após o resplandecente portal da eternidade.
Vão-se as gaivotas grasnando alegres, porque viver lhes basta, e viver é preciso, como morrer é de um determinismo preciso. Vão planando, tocando a água, volantes sobre as ondas; e nós também vamos seguindo-as nessa aventura...
Se quando às noites eu chorava - e tu resistias não uma só noite, mas diversas  - não só a mim como a todos os seus filhos - tinhas a Fé que era a benção de Deus que vinha te encontrar pela manhã insone.  Tua recompensa divina sempre foi ter sido coberta pela cúpula de estrelas, muito além e acima do telhado de nossa casa humilde.
A luz do sol sempre te glorificou sorrindo, e as estrelas cauterizavam todas as cicatrizes de teu sofrimento.
No janeiro em que nasci - tu me contavas na infância que: “A chuva caia pesadamente e a cegonha tinha chegado toda ensopada, e que tu e vovó, tiveram que enxugar a mim e à coitadinha”.

Hoje isto me soa triste, porque após quarenta e cinco anos, fui conhecer a velha casa na Rua Humaitá onde nasci, e tu me mostraste após adentrar pela enorme porta de batentes pintados de azulão - em um comprido corredor à esquerda - o quarto onde vi pela primeira vez a luz do mundo. Tu me disseste ainda, lá ao fundo, onde havia a cozinha: “Aquela janela, foi vosso pai quem fez para olhar e jogar milho para as galinhas no quintal” - assim mesmo: “vosso pai”, como ainda falamos em família; [Pronome possessivo da segunda pessoa do plural.] Isto me tocou pungentemente o coração, e chorei contidamente por fora e copiosamente por dentro.  Mais, porque os atuais moradores nos acolheram e fizeram olhos e imensa bondade, como quem recebe um ilustre visitante, sem nunca terem sabido de minha existência.          
As sombras e os rastros em meu caminho são como projeções de um forte holofote emissor de luz e captador de imagens, que faz desfilar as formas capturadas em sua frente. As silhuetas e recortes não projetados das formas humanas contra um fundo branco têm por origem, certas panes de lâmpadas “dentro de mim” que ainda não foram bem conectadas - ou propositalmente desligadas.
Tua luz estelar e de sol iluminante sorria nos dias de neblina invernal de meu coração de criança, de sempre criança para ti, aquela mesma criança que tu conduzias pela mão à escola, à casa do vendedor de jornais, revistas e figurinhas. A festa que tu fazias comigo, quando saia do envelopinho “aquela figurinha carimbada” do álbum, “Raças e Costumes do Mundo Inteiro”- e, repetida às almas de minha alma, os meus filhos pequenos...!

Jamais - por tua causa, duvidei da existência de Anjo da Guarda. Sei que em um tempo limitado pela vida - não pela morte - esse Anjo existiu. Saía do meio das flores, das rosas, palmas e dálias de um jardim que minha infância de amor, significativamente povoou... Amor imensamente terno, em uma perene estação de Primavera, que até hoje eu já velho, nunca se desbotou.
Quando o dia lá se ia, a noite havia chegado, o beijo de um anjo recebia,
Elevava uma simples prece eivada de emoção, junto ao ouvido me dizia:
“Sou tua mãe apenas - quisera um Anjo ser - para bem assim ser lembrada”,
Hei de dar-vos - meus filhos - o amor, minha vida. Por teu pai, teus irmãos,
Quero ser mais que uma sombra que passa, ou como tu me vês: uma Fada.
Assim num balbuciar de visão luzente, junto à brisa fresca das madrugadas,
Que passeia entre as flores e ramagens, a tua presença  de volátil  aragem.
Vão-se os dias que forem, e se finde o meu Tempo, sempre serás iluminada,
Minha dourada fada de alegria infinda foste mais que uma simples imagem.
O mistério da vida é talvez maior que o da morte - eis que a vida existe mas por si mesma não subsiste.
A nefasta morte que também existe - persiste e não desiste -  antiga como a própria sombra da noite, ela resiste. Vai-se a vida para a morte existir.
Hoje, tantos anos depois, onde a noite dos tempos me separa do Anjo que me fez sonhar e ser o que sou. Não tenho glórias para mim, mas para meus filhos e netos. Rememoro em verdade a importância de sopesar a existência.
Passamos uma longa vida na ilusão de reter a sabedoria sendo que ela nos é volátil como a efêmera névoa do brilhante amanhecer.
Somos maus aprendizes da arte de conhecer o mundo; lembremo-nos quantas vezes nós dizemos de pronto que ele nos engana...
Um esquilo, por exemplo, está na contagem da existência por instantes, e estoca o necessário para sua vida e seus filhotes. Não há desperdício de tempo, pois não há  consciência do tempo para lhe fazer falta.
Nós outros, no entanto, desperdiçamos o tempo afetivo jogando-o como lastros ao mar; antes, muito antes, de o navio porventura vir a naufragar!
Se vivêssemos a vida - da forma dos esquilos e das borboletas - constataríamos que o tempo não existindo, o iríamos ter para uso com sobra. No entando nós humanos com a noção do tempo, não temos tempo para nada...
Minha fada encantada também me contou sobre a vida e trabalho do João de barro e de sua companheira, a pequenina “joana de barro” , ambos lado a lado esses seres alados vivem por toda a vida - que  não tendo a consciência do tempo - a natureza a eles eterniza.
Tenho profundos sinais que a vida me deixou - todos nós temos. Eu me feri mas também produzi a tempo, como as abelhas, o antibiótico de minha autocura. E, sobrevivi.
A lembrança do caminho com o Anjo que ao tempo todo me referi, vai além da simples formulação de conselhos e recomendações. Seu acompanhamento foi de proteção, porém incutindo responsabilidade e rumos. Suas exigências eram embasadas em severa vigilância quanto à honestidade e valoração aos estudos, respeito,  espiritualidade e ao que dizia ser o carro chefe da pessoa: o estrito apego à Verdade.
Fazia uma cumplicidade invejável com papai, ambos endossando as ordens um do outro, e ponderando a portas fechadas o que fosse melhor para suas crianças. Emocionantes e firmes exemplos esses - que retomei aos meus dois filhos, tendo produzido magníficos resultados de vitórias, alegrias e orgulho. Uma moça e um moço dignos e honrados.
Fui uma criança que teve o privilégio de ter tido um Anjo particular. A lembrança daquela criança - me remete a crer que Deus ainda não se esqueceu da humanidade - pois ainda nos dota da presença, ainda que por curta jornada, de um Anjo de Luz e Benção como foi a querida  e inesquecível  por todas as causas:  MINHA MÃE!

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Maria Iraci Leal em 23 janeiro 2016 at 1:19
Querido amigo poeta Mauro Martins Santos... 
Chorei, não consegui deixar de relembrar tal como escreveste, o lugar onde nasci, a convivência com minha mãe, as conversas e as promessas de amor incondicional... Lindo demais, mais que uma homenagem, o filho poeta que faz de sua pluma o eterno reconhecimento ao 'ser' mãe, anjo na Terra que nos recebeu em seus braços, encantada e sensibilizada, parabéns, bjs MIL.

Monica Pamplona  em 3 janeiro 2016 at 1:52
Tuas linhas tocam a emoção, através da sensibilidade de tuas palavras.
O ser materno, por si só, já é dotado da grandeza do amor incondicional. Porém, diante de tua leitura, tal sentimento brilha com a intensidade da luz da saudade. Reflete no peito toda a sensação já sentida, da infância.
Bom seria, que as mães fossem eternas. Mas... Felizmente se pode contar, com tanta recordação em amor e carinho.
Mais essa preciosidade para teu acervo, querido amigo.
Parabéns.

 Dione Fonseca de Barros em 23 janeiro 2016 at 11:59
Lindo. Não tenho palavras. Abraços



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