PROSA PARA PENSAR NO ADEUS...
Lembremo-nos
que por vezes, necessitamos de dizer, ainda que por metáforas e parábolas -
assim sem se constranger - o que nos é retido na alma. O intransigível existe e
contrapõe-se ao nosso campo de emoções positivas, por vezes superáveis, outras
nos levam junto ao objeto do amor que se foi.
As
pessoas que mais amamos - às vezes achamos - que são as que mais nos
decepcionam nos causam espanto ou surpreendem; por julgarmos que são, ou
deveriam ser perfeitas e esquecemo-nos fragorosamente que são humanas.
E nisso somos inquietos, imediatistas, egocêntricos e incompreensíveis, na
maioria das vezes. Em estudo de causas, se verifica que os desenlaces afetivos
recaem sobre esse fato, de partirmos do princípio que (nós) somos produtos
acabados, protótipos aos demais semelhantes e que (os outros) nos façam
felizes, quando quisermos e não quando eles estiverem também, sido feitos
felizes. É isto que escapa aos relacionamentos afetivos e os dentes da
engrenagem emocional não se encaixam.
Porém a vida é paradoxal, como fosse experimental. E calculo que realmente
seja. Nesse entendimento é a inquietação do amor que dá ao universo o movimento
eterno; é a vertigem do amor que faz girar os mundos.
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Se pudéssemos... Ah, se pudéssemos retroagir todas as voltas da espiral do
tempo e reencontrar aquele grande amor, isento de culpas, como um dia fôramos
os dois... E reiniciarmos a contar as estrelas do ponto onde paramos... No
silêncio da noite, a neblina nos evolvendo, a lua viajando serena entre nuvens
rendilhadas, no céu polvilhado de pó de prata. Tu buscando abrigo e calor nos
meus braços. Estava tão fria a noite... E ao longe alguém talvez amando como
nós, ou sofrendo a ausência de seu amor ao som de um violino cantava – no
silêncio absoluto da noite – esta canção:
Queima no deserto o inclemente Sol,
Iluminando mais um dos dias esvaídos
Entre dunas e planuras intermináveis...
Minha alma queima a última chama
Para chorar-te sob um céu de estrelas.
Solidão! Meu horizonte é o vasto mundo,
A Levar consigo meus sonhos e deixas,
Flano asas em busca de tua imagem
Viva, sobre a aridez deste meu corpo.
Teu perfume, flagrante lembrança reserva,
E do cansado lamento eu faço segredo.
Tu serás meu refrigério, meu encanto,
Meu celestial poema no tórrido deserto.
Meu oásis; rainha de soberana calma,
Sombra de tamareiras, para a minh’Alma!
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Ah! Se pudéssemos
retornar à grande árvore encantada, coração do jardim de nossos sonhos,
descontaminados de todos os pecados que aderiram aos nossos corpos e afetaram
nossas almas; modificaram nossas vidas, nossos caminhos, nossos ideais. Ah! Se
pudéssemos voltar...
Estarmos tão puros como ao tempo em que conversávamos em
silêncio, por olhares. As batidas do coração comandavam nosso desejo e a
emoção. À aproximação de nossos rostos, os corações aceleravam-se,
antecipando o beijo e as carícias; intensificava-se teu inconfundível aroma.
Teu rosto se aquecia, tua respiração se entrecortava seu hálito era perfumado e
quente. Ingressava-me em outro mundo paralelo, do qual não queria mais voltar,
queria que se transformasse em um labirinto do qual jamais acharia o
retorno. Ali construiriamos nosso mundo, um universo de sonhos. Apossava-
me um encanto místico, um sentimento de todo não revelado. E eu indagava solenemente
a ti:
- És às vezes indecifrável, enigmática...
Isto me faz teu curioso prisioneiro, refém da busca, da procura de teu
interior. Teu exterior, Tua beleza, me seduzem profundamente. Mas que pensas de
mim? O quanto pensas em mim e por onde andas e o que fazes quando estás sem
mim? O que almejas da vida seria o mesmo que eu? Por que buscavas a mim no
começo de tudo, com tanta insistência amor e sofreguidão?
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O notável era minha total abstração do desejo de posse
de sua liberdade ou o tão desgastado significado [para mim] deste sentimento
menor: o ciúme. Meus pensamentos transitavam em outras esferas, embora ainda
fossem lá misteriosos os caminhos para mim.
Porém, a cada encontro toda a mágica se refazia. E eu
temia pela sua ausência física. Mas nunca lhe falava desses meus pensamentos. E
procurava sempre os assuntos mais alegres, leves e condizentes com a felicidade
daquele encontro. Nunca existiu um único desentendimento ao longo de nosso
relacionamento.
O tempo que passava contigo, seria o mesmo tempo
cronológico do mundo? Passavam-se horas cronológicas e a teu lado apenas mero
segundo. Sentia em minha alma uma sensação de vazio, quando só. Misto de
dúvida, afeto e amor. Mas de incompletude. Minha alma estava começando a ficar
desolada em separado, necessitava de sua alma junto a mim. E eu próprio me
recolhendo da vida lá fora.
Relutava contra um poderoso e avassalador sentimento,
que seria um sofrimento prolongado, amor excessivo fora das raias da
razão. Sabia ainda, que seria uma desmedida paixão que recairia em um possível
desgosto, e desalento profundo.
Enquanto diagnosticava esses sinais em mim, não percebia
“clinicamente” os mesmos sinais nela. Pensei no que a lógica da psicologia afirma:
"As pessoas são diferentes..." Sim. Por isso este relato! Caso
não o soubesse não teria meios para essas análises paralelas. Descobrira que
as pessoas não só são diferentes, como pior nem sempre congruentes nos finais
de sonhos em comum.
Era ainda esse desconforto, é claro, apenas uma
sensação. Mas incômoda. Como nos sonhos, o tempo ao lado dela se desenrolava
revelando todo o enredo de nossas vidas. Passado, presente e futuro, pareciam
sair da abstração e se materializar em um só fenômeno que não parecia estar caminhando
para a ¹Eucatástrofe.
Muitas vezes abraçados, tinha dentro de mim um sentimento enorme
de ternura, quando ela repentinamente tinha um suspiro curto e sentido. Essa
reação que remete ao campo das emoções, sempre me foi de difícil compreensão.
Talvez por ser uma das coisas que nunca ousamos emitir perguntas sobre a razão.
Apenas elas existem e até emolduram uma noite de céu muito estrelado, envolta
no intenso perfume de “damas-da-noite”.
Este cenário, sempre ao atentarmos bem, ele fica
místico.
Ela para mim, deixavas de ser real e comigo entrava em outra dimensão. O nosso
amor, envolvia-nos em um turbilhão e nos levava a estágios e pousos de encanto
e beleza. Éramos, tomados de uma profunda paz, difícil de descrevê-la. Mas nunca
a via sorrindo amplamente, sempre um sorriso esboçado e contido. Não era
tristeza, mas era algo que... não oferecia resposta satisfatória para meu
íntimo.
Os pensamentos, que me vinham queimando em chamas,
eram por ela rebatidos com afagos suaves, carinhos e meiguice leve. Ficávamos
sem palavras, no silêncio - ajeitava-lhe os longos cabelos, alisando-os com as
mãos, percorrendo levemente com os dedos os traços lindos de seu rosto, sua
boca, seus lábios, contornando-os como se estivesse desenhando uma obra de
arte.
Sua beleza irradiava-se com extrema naturalidade, de
cabelos negros bem longos, corte reto; olhos castanhos, magra, não tão alta a
ponto de não poder usar saltos “quinze”.
Sem nenhuma das características que marcam as grandes belezas feitas pela mídia
(as louras, as ruivas de olhos azuis etc.). Mas ela era, com o conjunto desses
traços, de uma forma tão bem distribuída que a faziam a jovem, a mulher, mais
linda que já conheci.
Seus olhos castanhos eram profundos, pareciam ler meu interior, suas
sobrancelhas eram usadas praticamente ao natural, sua boca de dentes perfeitos
tinha os lábios perfeitamente delineados, e sempre com batom cor- de- carne,
com pouco brilho ou opaco. Seus únicos adereços: um anel, uma pulseira de
corrente dourada, e um inseparável medalhão preso a uma corrente longa de ouro
dourada.
Ao ser afagado, recebendo seus meigos carinhos, no
íntimo eu cismava como se existisse algo acontecendo ou uma barreira invisível
em nosso relacionamento. Procurei não pensar mais nisso. Só que, minha
imaginação foi se transmudando de abstração para realidade ao correr do tempo.
Aqueles carinhos e meigos afagos foram diminuindo de intensidade emotiva.
Sentia que não havia “alma” nos abraços, nos beijos. Sentia haver ainda que levemente,
um quase imperceptível afastamento. (Só percebido pelos exercícios de meu
pensamento).
Não mais suportando as dúvidas e o grande incômodo que vinha sentindo e os
pensamentos que de todos os tipos me assolavam a mente, eu pergunto-lhe se
estaria algo afetando os sentimentos em relação a nós... Ela possuía
várias características que eu bem conhecia: sinceridade era uma delas; era
verdadeira; fiel; sincera; orgulhosa e altiva quando precisava ser. Sabia que
me amava de forma extrema quando começamos o namoro. [E pensar que eu antes a
ignorava.]
Era educada e gentil para comigo, sempre. Mesmo sem respostas; aprendemos a
decifrar silêncios. Conclui minha pergunta suscintamente: - Por quê?
- Porque é preciso! - Responde ela com surpreendente serenidade.
- Explique-se, por favor! Seja mais conclusiva. – disse-lhe.
Respondeu-me: - Porque precisamos contar
mais estrelas, assistir mais pores- de - sol, nos vermos em meio a mais
neblinas de rigorosos invernos, caminharmos sob a chuva fria, dividirmos as mudanças
das estações da vida, para podermos compor nosso poema ideal...
Falava como se
estivesse perscrutando a própria alma. Seu olhar era distante, em um horizonte
há anos luz de onde estávamos. Como se em seu coração houvessem instalado uma
tábula com uma inscrição profética. Era uma sacerdotisa apocalíptica, estava a
anunciar vários fins: o meu, o dela, de nossos sonhos mais alentados, a
existência de um amor sem precedentes, sem medidas. Eu ia além do amor, a
venerava.
Mas estava a dizer-me adeus? Foi isso que entendera! Ela me
amava era certo, mas não podia dizer que ela era daquelas criaturas que
poetizam tudo ou filosofam a todo o momento. Era bastante parcimoniosa com seus
sentimentos pessoais. Demonstrava fortemente suas emoções por atos e atitudes.
Essas palavras, não eram de forma corrente usuais
dela. Embora fosse muito inteligente. Talvez usasse menos palavras, por sua
área escolhida ter sido das exatas que a faziam mais racional, ou por ela ser
assim, ter escolhido iniciar-se nesse campo das ciências. Enquanto eu fui para
o magistério ela foi para a contabilidade, a seguir ciências contábeis.
Choramos. Ela chorou muito! Soluçava
convulsivamente. Mais explicações não tiveram...
A inteligência e a racionalidade não foram feitas só para constar dos verbetes,
foram descobertas para direcionar as pessoas. Temos que saber como agir e se
portar diante do inevitável.
Fatidicamente foi um inacreditável adeus! Amigos em comum ficaram abismados,
sem acreditar que isso tivesse acontecido...
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Porém para dois corações apaixonados, não nos
esqueçamos de que é da vida cruzar desertos. A busca sempre será a de um oásis
onde predomine a verde esperança do poço de águas cristalinas. O perigo é a
armadilha da enganosa miragem.
Procuramos na aventura da vida, a boa ventura da fonte encontrar, para que dela
bebamos e sejamos abençoados.
Mas os desígnios do amor nem sempre exige de uma das partes o risco de
lançar-se ao desconhecido caminho sem olhar para trás. Nem sempre um dos que se
amam - se propõe a acreditar - que se lançando por amor às chamas, ao sumidouro
do mar, ao abismo- sem- fundo, possa à vida retornar.
Foi no primeiro obstáculo, o do deserto, que ela titubeou.
Claro que achei normal, tão jovem e frágil em não confiar que eu, apesar de
amá-la acima de todas as coisas do mundo, pudesse vir a provê-la de um
manancial em pleno deserto!
Não conseguiria jamais fazê-la ser a mesma outra vez. Tinha a certeza!
Como escrevi depois:
- Tornastes uma estrela que se apagou dentro de mim - só tua luz resta a
percorrer o universo de minha alma. Não se reconstrói uma estrela jamais. Só a
sua luz permanece para toda a eternidade! Por isso fico com tua luz, tua
lembrança. Adeus!
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Somente por amor e tão somente, é que nos lançamos aos
percalços da vida, com a alma em pedaços, mas sem olhar para trás. Só a soma de
dois grandes amores constrói uma paixão, que nos faz morrer por muito amar! Mas
aí a vida se refaz e a morte passa a não existir: ser um engodo, uma mentira,
frente àquela única verdade o indiscutível e verdadeiro Amor! Morre a estrela
fica a sua luz, ali presente a viajar na imensidão do Universo eternamente. Ela
não existe mais. Morreu há séculos, milhões de anos, mas ela está presente
sempre vista por nossos olhos, sentida por nossa alma, refletindo seu brilho em
nosso coração.
Cerca de quatro anos se passaram depois daquela resposta às
minhas perguntas - quando naquela ocasião ela respondeu: “Por que é
preciso!” [...] “Contarmos mais estrelas... Vermos mais neblinas de
rigorosos invernos”...
Nada mais tenho a lhes relatar... Sinto-me vazio de ânimo,
espírito e palavras...
Palavras... Palavras... Palavras. Como frente ao
irretornável soam sem sentido! Como são destituídas de espírito, fracas, sem
importância ou significado... É quando compreendemos a força do silêncio que
tem o poder de matá-las... Talvez tenha sido isso que Shakeaspeare pensou ao pronunciar: Words...Words...Words.
Acredito que minha alma falou por mim.
Só lhes acrescento e justifico a razão de minha inaceitação
da impotência, perante as forças do inevitável...
Houve um acidente de trânsito no Estado de Santa Catarina, a serviço da
empresa multinacional em que ela estagiava. Seu colega que dirigia o veículo, e
outra funcionária que seguia no banco traseiro, foram ambos para a UTI de um
hospital do município e se salvaram.
Ela faleceu
no local.
< IN MEMORIAM >
Fique em paz eterna amada.
Ocultarei em meu coração seu nome.
Que os Anjos lhe transfiram minha saudade,
O amor, todo meu carinho, pelo resto
da vida e a eternidade.
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“Não criei personagens. Tudo o que escrevo é autobiográfico.
Porém, não expresso minhas emoções diretamente, mas por meio de fábulas e
símbolos. Nunca fiz confissões. Mas cada página que escrevi teve origem em
minha emoção” (Jorge Luís Borges).
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1.Eucatástrofe – Um ponto onde se chega a pensar que está
tudo perdido e, de forma inesperada, todas as adversidades são diluídas e
superadas [Palavra cunhada por J.R.R. Tolkien]