sábado, 13 de setembro de 2014

NOSTALGIA DO FUTURO




NOSTALGIA DO FUTURO
Mauro Martins Santos

Vivemos todos entre o saudosismo: de coisas, pessoas e fatos, que não estão mais sob nosso domínio que se foram; a ansiedade do que está para vir de que não temos absoluta certeza, portanto também fora de nosso controle; sem contudo darmos lugar ao instante, ao que se vive no dia a dia que está sob nossos sentidos, está presente, desenrolando-se. Vivemos um oxímoro; uma nostalgia do futuro. Uma ansiedade em respirar uma brisa que ainda não se formou, colher flores que ainda não nasceram, ver os pássaros do céu, que ainda estão por voar.


Vale do Jequitinhonha¹; das meninas  que o futuro olham, sem o verem!
As estradas desertas chegam cansadas de sol e calor sem nada trazerem.
Bem no fundo daquele vale profundo, o vermelho do pó se enleva ao céu.
No alto, bem lá no alto daquele pináculo, a pedra grande do Miradouro,
Para onde vai a esperança, como se houvesse às meninas de Vila D’Ouro.

Lindas patrícias, quase morenas, um tanto pequenas, já quase douradas...
Artesanato e janelas, só sabem do ontem: olhos e graça de raças traçadas,
Verde holandês nos olhos puxados, à mostra o alourado dos antepassados.
Mestiços queimados do trabalho diário em busca do pão de tantas jornadas
Doaram seu sangue a formar lindas donzelas, em suas janelas ali paradas.

A que isso se dá?  Falta-lhes tudo. Longe, os homens buscam trabalho,
Meninas na tradição fazem o que podem: arte manual, fuxico de retalho,
Depois o cansaço, sonhar... Miram a Pedra Grande a fugir de um passado;
De per si o filial amor - a saudade dos ausentes - sentimento mais puro,
Só ficando bem no fundo da alma molhada, a eterna nostalgia do futuro.


As estradas vêm de longe, sem nada trazerem, cansadas de sol causticante.
Entre si apostam elas, qual dará o coração, à bruxuleante miragem distante.
Lânguido  passatempo, desfaz-se a ilusão que não nunca traz seu esperado.
Volver à sina do trabalho: palha, penas, sementes, miçangas, pedra-sabão...
Futuro incerto – certo é o vazio – pois sonhar é preciso e alentar o coração.

Anita, Otília, Abadia e Lucimar, levantam de madrugada, sem café para tomar.
A mãe, quarenta anos, que parece ter setenta, busca o Fio D’Água seu tesouro:
Não é moeda! Por lá não há. Busca o seu ouro: o barro molhado que vai coar.
 Cavouca e coleta bem fundo. Sorri, encontrou umidade para seu odre de couro.

No fundo vale poeirento, branquejam ossos e pedras, já ao luzir do sol poente.
São lindas as patrícias! Quase morenas, pequenas, e por vezes quase alouradas
Cismam que além das serras secas e nuas, há o mar com lindas praias douradas.
Nostalgia do futuro! Tornam às suas janelas, envoltas na realidade do presente!

 ///@//rº ///@rtins S@//tºs
¹Vale do Jequitinhonha, é uma região do norte do Estado de Minas Gerais, no Brasil, muito pobre. O Estado é um dos mais lindos do País, mas esta região do Vale do Jequitinhonha sofre pelo fenômeno das secas, daí sua população masculina migrar para outras regiões em busca de trabalho. Suas moças, no entanto, são bonitas e solitárias, à espera de seus namorados, noivos ou maridos... que um dia virão, voltarão, materializados através daquelas visões.





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