sábado, 23 de março de 2013

MINHA VELHA CASA

Mauro Martins Dos Santos -  AGL (Academia Guaçuana de Letras)


Quando ao longe avistei a velha casa, a bem da verdade - com licênça Simões, vou te contar - era uma tapera abandonada, parecia um fantasma. Suas duas janelinhas pareciam olhos que me espreitavam de soslaio e a porta como fosse um simulacro de boca desdentada assemelhava o espectro do espanto!
Ela... Simões, agonizou entre dores de abandono durante muito tempo. Gemia e uivava de frio e temor. Aos golpes inclusos do minuano gelado, suas ventanas batiam em estertor como asas quebradas de um quero-quero, desengonçadas pelo castigo... do tempo Simões, do tempo! Este vilão que a tudo baldea sem compaixão, sem pena, sem dó. 
Mas agora estava agonizando e se decompondo ao léu.
Aproximei-me para vê-la mais de perto: meu castelo da infância, meu refúgio nas tempestades que vinham fazendo funil em contraponto com os trovões. A casa firme, acolhia os dez, tu lembras dos quatro guris:  Galdêncio já quase piá, e as três gurias, com papai e mamãe. Eu o menorzito dos guris me achava mui guapo, mas perto do pai o velho Juvenal. Longe me borrava todo!
Minha mãe, não sei se para disfarçar o medo da borrasca ou por tradição, de relancina começava a preparar uma massinha e a transformava em bolinhos, que de bisavó a bisnetos os chamavam - tu sabes - de bolinhos-de-chuva. Entrei porta a dentro. Que barbaridade! Tudo em desalinho. Telhado furado, teias de aranha, pó e formigueiros. Mas mesmo assim percorri os cômodos da casa. O maior era a sala, para acomodar os dez. Mas tinha outro cômodo bem grande, era a cozinha. A parte mais querida da casa.
Pareceu-me que o gênio do fantasma maternal, tomou-me pelas mãos e me conduziu á cozinha.
Acredite, Simões, me vi com meus sete irmãos, ao lado do fogão de lenha, labaredas de nó de pinho, rodeando meu pai ouvindo suas histórias, que as sabia inventar como ninguém. Tudo isso eu vi de relancina, como num triscar de orelhas de um flete que ressabiado rodopiava a retornar.
Assim o fiz, Simões, saí dali e me pus a trotar de volta, pisando duro o chão do caminho, que se fechava lado a lado pelo mato crescido há anos.
Debaixo da sola da bota, a terra chiava como um choro sentido, em contraponto com meus soluços contidos. Fui dando graças a Deus, de não encontrar viva alma que testemunhasse o choro de um taita que já não se podia conter. Ousei olhar mais uma vez a velha tapera. 
E olhe Simões, as janelas da tapera se fecharam ao bater do vento nas ventanas, e senti que ela, como se fechasse os olhos... morreu.
Saí dali, perrengue, passos arrastados no pó do caminho, para...nunca mais alí voltar!

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