terça-feira, 30 de janeiro de 2018

DO QUE O MEDO É CAPAZ


DO QUE O MEDO É CAPAZ

 “A emoção mais forte e mais antiga do homem é o medo, e a espécie mais forte e mais antiga de medo é o medo do desconhecido.”
- H.P. Lovecraft
-

Era uma noite típica dos cafundós da zona rural. Destacava-se neste pano de fundo feito de trevas, uma lua enorme, que de tão luminosa ofuscava as estrelas que salpicavam incontáveis no azul marinho profundo do céu. 


 
Os dois primos-irmãos, formavam a melhor dupla sertaneja de toda a grande região circunvizinha aos rios Itararé e Verde. Vinham eles de retorno  após uma cantoria - à colônia da fazenda onde moravam.

Estradão de chão batido, onde tinham que percorrer várias léguas. À medida que percorriam a estrada  iam deixando para trás sítios e outras fazendas, ladeada de mata em ambas as margens, ela ia se estreitando, vez que suas moradas ficavam ao fim desta servidão. Não havia outro caminho.
 
A lua se filtrava por entre as árvores e galhos, deixando uma profusão de sombras e luz no chão da estrada, rajando-a como pele de um tigre monstruoso. Neste emaranhado de luz e sombra, a vista até se embaralhava, deformando e recriando formas estranhas.
 

Os dois primos cantadores, um para não demonstrar ao outro o medo que sentia, vinham cantando modas de viola como se nada os perturbasse. Ocorre que por aqueles tempos,  a região toda era ainda de lugarejos, só os maiores deles tinham ido à comarca, eram correntes as histórias de fantasmas, aparições, a tal mulher de branco da estrada e outras histórias mais. Tudo sendo fruto  - hoje sabemos - da falta de informações, além da oralidade e tradição somente. Baseavam-se no que ouviam de pai para filhos.





Contudo, tinham que passar ainda lá adiante, por um pequeno e velho cemitério de beira de estrada, com seus túmulos quebrados, escurecidos e ao abandono. As cruzes de ferro enferrujadas, com as plaquinhas de identificação restantes soavam ao vento, como arrastar de esporas chilenas. Diziam ser do fantasma de um capataz tirano que ali fora enterrado.


 Os pios das corujas faziam o pessoal que por ventura por lá caminhassem á noite - o que raramente ocorria - arrepiar-se de medo. Neste cenário tomados pelo medo e em plena escuridão, começaram a ver "coisas"e em tal clima cavalgavam os cantadores.



De repente, um deles dá um grito rouco de horror. E sem fala, depois de um tempo gaguejando aponta adiante, alertando o companheiro, que entre luzes e sombras podia se ver além de uma gigantesca caveira por trás das árvores, quatro pessoas carregando um caixão de defunto em direção ao campo santo.
 
O que fora alertado, diz: - Mas não é possível, já passa da meia noite e nesse cemiteriozinho abandonado há décadas não se enterra ninguém por ordem municipal. Só lá na cidade sede da comarca é que pode, depois de pagar taxa na prefeitura. O outro responde, depois de voltar o fôlego: - Mas assombração não quer saber disso... Credo em Cruz, Alonso! Vamos voltar daqui, os cavalos estão refugando, falou Josiel - cuja dupla levava o nome de Alonso e Josiel.


Era corrente o ditame, que se o cavalo refugasse ir em frente, era coisa de outro mundo. Até moda de viola existia a respeito.

- Que vamos fazer? - Pergunta Alonso ao tempo que diz: Mas Josiel, já estamos quase chegando, é só passar a porteira lá adiante. - O cemiteriozinho ficava após essa primeira porteira de um sítio da servidão.


- Só se você for sozinho, eu nem morto - diz o primo ao companheiro.

Nisso, ao verem lá adiante a porteira observam que os quatro que levavam o caixão param.

Alonso, o menos medroso dos dois, fala para o primo: - Seja o que for: caridade é caridade e deve espantar assombrações. Vou acreditar que sejam pessoas muito pobres que não têm dinheiro para pagar taxa lá na comarca, por isso estão levando o defunto de madrugada para por o de cujus em qualquer túmulo velho... e, não conseguem abrir a porteira por estarem com as mãos ocupadas segurando o caixão.
 

Ao se aproximarem mais um pouco, mesmo com os cavalos bufando... o que veem!? A luz da lua cheia, as sombras confusas do claro-escuro dos galhos retorcidos incidindo sobre a estrada, pedras e no caso, no dorso de animais, criou-lhes com o auxílio da imaginação deturpada e acelerada pelo medo - uma terrível aparição.
  
Na realidade... eram quatro vacas leiteiras, cujos rabos balouçantes e úberes cheios, sob sombras e raios de lua filtrados por entre a vasta vegetação, deram a impressão aos primos de serem quatro homens levando um caixão.
Pararam na porteira pelo óbvio, para as vacas tinha acabado a jornada estradeira. Foi só Alonso abrir a porteira e os "fantasmas bovinos" prosseguiram o caminho



Aliviados conseguiram dar uns sorrisos amarelos com o comentário de Josiel à distância: - Eu já estava desconfiado de que era isso mesmo primo!
                                             


Nenhum comentário: